NOVAS EVIDÊNCIAS DOCUMENTAIS PARA A HISTÓRIA DA HOMEOPATIA NA AMÉRICA LATINA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE OS VÍNCULOS ENTRE RIO DE JANEIRO E BUENOS AIRES
Novas evidências documentais para a história da homeopatia na
América Latina: um estudo de caso sobre os vínculos entre Rio de Janeiro e
Buenos Aires
New documental evidence on the history of
homeopathy in Latin America: a case study of links between Rio de Janeiro and
Buenos Aires
1Pesquisadora,
Centro Simão Mathias de Estudos em História da Ciência/Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (PUC-SP); professora, Programa de Estudos Pós-graduados
em História da Ciência/PUC-SP. Rua Caio Prado, 102/salas 46-49. 01303-000 – São
Paulo – SP – Brasil. swaisse@pucsp.br
A
homeopatia começou a propagar-se logo após sua formulação por Samuel Hahnemann,
nos primeiros anos do século XIX, chegando ao Cone Sul na década de 1830. Esse
processo é tradicionalmente vinculado à figura de um “introdutor”, por vezes
alcançando estatuto mítico. No entanto, pouco se sabe acerca da chegada da
homeopatia à Argentina nesse período. Com base em trabalho de arquivo,
identificamos uma clara circulação de homeopatas médicos e leigos no eixo Rio
de Janeiro-Buenos Aires. Dada a conhecida atividade proselitista desenvolvida
nos círculos ligados aos homeopatas leigos B. Mure e J.V. Martins no Rio de
Janeiro, a documentação disponível aponta para a possível extensão desse
movimento também na Argentina, o que não tinha sido evidenciado até o presente.
Palavras-Chave: homeopatia; século XIX; Brasil;
Argentina; documentação
Homeopathy began to spread soon after it
was formulated by Samuel Hahnemann in the early 1800s, reaching the Southern
Cone in the 1830s. In processes of this kind, one figure is often cited as
being responsible for introducing it, often attaining quasi-mythical status.
Little is known, however, about how homeopathy reached Argentina at that time.
Through archival research, we discovered that medical and lay homeopaths circulated
between Rio de Janeiro and Buenos Aires. Given the well-known proselytizing of
the circles gravitating around lay homeopaths B. Mure and J.V. Martins in Rio
de Janeiro, the documents indicate that this movement actually went as far as
Argentina, which had not been confirmed until now.
Key words: homeopathy; nineteenth century; Brazil;
Argentina; documentation
A
homeopatia começou a se propagar pelo mundo logo após sua formulação por Samuel
Hahnemann (1755-1843), na futura Alemanha, na primeira década do século XIX. De
modo geral, esse processo seguiu um padrão identificável nos diversos países e
regiões: introduzida por algum médico ou aficionado leigo, rapidamente a
homeopatia passa a interessar um grande número de médicos, assim como membros
influentes da comunidade – políticos, intelectuais, jornalistas, nobres,
governantes, militares etc. Na esteira disso, são fundadas associações,
periódicos, cursos de divulgação e de formação, e são oferecidos serviços de
atendimento. Eventualmente, surgem movimentos solicitando a abertura de
hospitais e cursos universitários, que, sistematicamente, confrontam a
resistência das instituições da medicina convencional.
O
mapa do circuito migratório da homeopatia (Figura
1) demonstra que ela chegou ao Cone Sul a partir da década de 1830, sendo
desenvolvida no Brasil (1836), na Colômbia (1837), no Paraguai (1848) e no
Uruguai (1849). Além disso, o Brasil se tornou um centro propagador não só
regional, mas também para países da África e do Oriente (Tischner,
1939, v.4, p.727, 750).
Figura
1 : Difusão da homeopatia no século
XIX (Fonte: elaborado pelos autores)
O
mapa ilustrado na Figura
1 mostra a Argentina como área sem homeopatia no século XIX, embora
seja reconhecida como um dos principais centros internacionais da homeopatia no
século XX. Essa situação curiosa não é abordada na literatura internacional,
tampouco na produzida na própria Argentina. De fato, a maioria de trabalhos
sobre a história da homeopatia nesse país foi realizada por clínicos homeopatas
muito bem intencionados, mas sem os recursos conceituais e metodológicos da
pesquisa em história da ciência, da tecnologia e da medicina. Além disso, esses
estudos estão mais dedicados a celebrar efemérides e precursores do que a
compreender uma determinada encruzilhada na história da medicina. Cabe destacar
que esse não é um fenômeno incomum: na historiografia da homeopatia,
reconhece-se que, até recentemente, os estudos históricos foram basicamente
realizados por clínicos homeopatas com o propósito de estabelecer a natureza
científica dessa disciplina diante dos ataques da medicina convencional (Dinges,
1996).
A
única exceção ao quadro pintado antes é representada pelo trabalho de conclusão
do curso de graduação em história de A. Walzer Vijnovsky
(2008), neto de um célebre homeopata argentino. Meritória pela
pesquisa documental, a obra, no entanto, mistura, sem qualquer ordem e
critério, menções e transcrições de documentos com relatos, muitos deles
míticos e contraditórios, transmitidos acriticamente como parte da tradição herdada.
Além
disso, a literatura internacional não faz qualquer menção à presença de
atividade homeopática na Argentina no século XIX. No entanto, a nossa pesquisa
identificou nesse país elementos típicos da difusão no Oitocentos, com
associações de classe, publicações, sucesso no combate a epidemias, apoio de
personalidades destacadas e, é claro, ataques por parte da medicina
convencional. Assim, foi possível produzir um novo mapeamento da chegada e da
difusão da homeopatia na Argentina, com alguns resultados inéditos.
Em
geral, os estudos tradicionais destacam a figura de um “introdutor”, e a
discussão, consequentemente, focaliza três pontos: a delimitação do papel
desses introdutores, as evidências que permitem sustentar que a homeopatia foi
propagada por um ou outro “introdutor” e a maneira como essa “introdução” teria
sido realizada. Por vezes, os estudiosos chamam os introdutores de
“emissários”, “missionários” ou, ainda, “apóstolos” (Tischner,
1939, v.4, p.722-723; Galhardo,
1928, p.554; King,
1905, v.1, p.20).
Nesse
contexto, é possível identificar dois modelos gerais de difusão da homeopatia
no século XIX. Um deles é baseado na participação de médicos, sendo que alguns
deles teriam procurado Hahnemann para resolver problemas pessoais de saúde e,
diante do sucesso terapêutico, passaram a estudar a homeopatia e, em seguida, a
praticá-la. Muitos desses médicos residiam fora da Alemanha e, ao retornar a
seus países de origem, além de exercer, também ensinaram homeopatia. O segundo
modelo, embora similar, refere-se ao mediado por pacientes (não médicos), que
também passaram a se interessar pela terapêutica hahnemanniana, divulgando-a em
seus países de origem e, eventualmente, também clinicando.
Podemos
mencionar, apenas como alguns exemplos ilustrativos, o caso do dinarmaquês Hans
B. Gram (1787-1840), considerado o “introdutor” da homeopatia nos EUA. Em
viagem à Dinamarca, tratou-se e estudou com o médico Hans C. Lund (1765-1846),
que, por sua vez, havia aprendido homeopatia diretamente com Hahnemann e, por
ter traduzido os textos deste ao retornar à Dinamarca, é considerado o
“introdutor” da homeopatia nesse país escandinavo. Já Gram é considerado o
“introdutor” da homeopatia nos EUA, pois, ao retornar, em 1825, publicou um
pequeno texto com intenção propagandística, sendo que, além de ensinar
homeopatia aos médicos John Gray (1804-1882) e Federal Vanderburgh (1788-1868),
não teve qualquer outra participação na disseminação da homeopatia nos EUA (Winston,
1999). Curiosamente, no caso da Espanha, são identificados vários
“introdutores”. De acordo com Tischner
(1939, v.1, p.728), a introdução da homeopatia nesse país teria sido
realizada, em 1829, pelo médico italiano Cosimo M. de Horatiis (1771-1850),
que, participando da comitiva real enviada pelo rei de Nápoles para o casamento
de dona Maria Cristina com dom Fernando VII, proferiu uma palestra sobre
homeopatia na Academia de Medicina de Madri. Apesar de ser, por isso,
considerado o “introdutor” da homeopatia na Espanha, essa palestra não teve
qualquer consequência. De acordo com W.H. King
(1905, p.20), a homeopatia só teria começado a ser exercida no ano
seguinte, quando um comerciante de nome Zuarte foi consultar Hahnemann na
Alemanha e, satisfeito com o resultado de seu tratamento, levou vários
exemplares dos livros de Hahnemann para a Espanha e os distribuiu entre os
médicos da Andaluzia, onde o exercício da homeopatia se iniciaria de fato.
Estudos mais recentes, no entanto, destacam que as primeiras notícias sobre a
homeopatia, publicadas nos Anales
de Ciencia, Literatura y Arte, em 1832, chamaram a atenção de
Prudencio Querol, médico de Badajoz, que teria sido o primeiro a experimentar
essa medicina em pacientes. Posto que o primeiro farmacêutico a preparar
medicamentos homeopáticos, Juan Manuel Rubiales, também residia em Badajoz,
onde foi fundado o primeiro periódico especializado no tema, os estudiosos
espanhóis consideram essa cidade o berço da homeopatia espanhola (González-Carbajal
García, 2008).
Frequentemente,
a figura do introdutor é rodeada de mitos e lendas, utilizados para legitimar a
homeopatia. No relato-padrão, um grande personagem, em geral, um vulto
histórico, um herói nacional ou um membro da aristocracia é quase que
milagrosamente curado pelo “introdutor”, despertando o interesse da população.
Como exemplos, podemos citar o médico Mathias Marenzeller (1765-1864),
“introdutor” da homeopatia na Áustria, que teria tratado de um duque austríaco e,
posteriormente, levado o célebre general Karl Philipp zu Schwarzenberg
(1771-1820) a se tratar com Hahnemann (Tischner,
1939, v.4, p.722-723). Outro exemplo bem conhecido é o do
farmacêutico transilvano Johann Martin Honigberger (1794-1869), que foi chamado
à Índia para tratar o marajá Ranjit Singh (1780-1839) (Waisse,
2014).
Vale
a pena ainda mencionar o caso de Portugal – sempre com implicações na cultura
médica brasileira –, onde tudo indica que os primeiros práticos homeopatas
foram tanto leigos quanto médicos diplomados (Pereira,
Pita, Araújo, 2005), como, por exemplo, Florêncio Peres Furtado
Galvão, professor de matéria médica e farmácia na Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra, que incluía elementos de doutrina homeopática em suas
aulas.1 No
entanto, a introdução da homeopatia seguiria o padrão já descrito,
particularmente graças ao apoio das elites, incluindo o próprio rei dom Pedro
V, além de ministros do Império, como Manuel da Silva Passos (1805-1862) e o
duque de Saldanha (1790-1876) e, igualmente, jornalistas como Camilo Castelo
Branco (1825-1890) e Rebello da Silva (1822-1871). Nesse sentido, destaca-se a
figura de Silva Passos, um mito político por si mesmo, que, doente desde a
infância, achara alívio apenas na homeopatia, que passaria a promover, após
denunciar que os médicos convencionais “não [estudam] nada, não [sabem] nada,
mas [falam] de tudo” (Silva Passos, 1861, citado em Araújo,
2005, p.155). A segunda figura pública que merece destaque é o
filósofo, jurista e ministro de dom João VI, Silvestre Pinheiro Ferreira
(1769-1846), que, depois de ter conhecido Hahnemann durante seu exílio em
Paris, em 1839, obteve para ele a nomeação como um dos vinte “membros
honorários de 1a classe” da Sociedade de Ciências Médicas de
Lisboa (Pereira,
Pita, Araújo, 2005, p.573),2 ao
lado de figuras como Anthelme Richerand (1779-1840), Gabriel Andral
(1797-1876), Karl F. Burdach (1776-1847) e François Magendie (1783-1855). Não
por acaso alguns dos candidatos a “introdutor” da homeopatia no Brasil, como
Germon e Mure (discutidos mais adiante), alegariam contatos pessoais com
Pinheiro Ferreira, precisamente para legitimar a pretensão ao “título”.
Dessa
forma, é pertinente rever o papel desempenhado pelos supostos “introdutores” em
relação àquele desenvolvido pelos indivíduos que, efetivamente, promoveram a
propagação, divulgação e solidificação da homeopatia nos diversos países. Os
padrões descritos também podem ser identificados na América do Sul, como
veremos a seguir.
Homeopatia no Brasil: para além
do mito fundador
A
literatura é unânime em apontar Benoit Jules Mure (1809-1858) como o introdutor
da homeopatia no Brasil (Galhardo,
1928; Luz,
1996, p.58; Rosenbaum,
2002). O estatuto heroico do introdutor revela-se, por exemplo, no
fato de que o Dia Nacional da Homeopatia, 21 de novembro, comemora a chegada do
francês Mure ao Brasil em 1840. Igualmente, quase toda publicação produzida no
país, sem foco histórico particular, começa por variantes da frase “A
homeopatia foi introduzida no Brasil por Mure”.3
Não
é o nosso propósito neste trabalho analisar a construção do “mito Mure”, visto
se tratar de assunto extremamente complexo e que merece estudo à parte.
Todavia, para o que nos interessa neste ponto, torna-se relevante indicar a
natureza mítica da figura do “introdutor”, por meio de evidências flagradas,
com certa constância, na documentação disponível.
Assim,
de acordo com essa documentação, as primeiras evidências de atividade
homeopática no Brasil estão vinculadas ao médico suíço Frederico Jahn que, já
em 1836, defendeu uma tese intitulada Exposição
da doutrina homeopática (Jahn,
1836) junto à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Nesse
trabalho, o autor mostra um profundo conhecimento da teoria e da prática
homeopáticas e, por meio de um discurso inflamado, revela mais interesse em
fazer uma ardente defesa partidária do que em cumprir meras formalidades
acadêmicas, como questionaria, quase um século depois, J.E.R. Galhardo
(1928, p.273). De todo modo, o trabalho pioneiro de Jahn foi
corroborado, em sua própria época, tanto por partidários quanto por opositores
da homeopatia.
Entre
os partidários, por exemplo, o médico Domingos de Azeredo Coutinho de Duque
Estrada (1812-1900) afirma que seu primeiro contato com a homeopatia foi,
precisamente, mediado por Jahn, que lhe forneceu os primeiros livros para seu
estudo (Duque
Estrada, 1845). Afirma ainda que, embora realizasse suas primeiras
experiências com a terapêutica homeopática em 1840, “nos casos nos quais a
alopatia falhava”, só passaria a utilizar essa modalidade preferencialmente a
partir de 1842-1843, por ocasião de uma epidemia de escarlatina no Rio de
Janeiro, durante a qual “até os médicos morriam” e “não tinha nada a se fazer”,
mesmo com certo receio de ser perseguido, uma vez que ele se supunha “então ...
o único homeopata no Rio de Janeiro ... pois os Srs. Drs. Mure e Lisboa ainda
aqui não exerciam a nova doutrina” (p.5-7).
Dentre
os opositores, destaca-se José de C.R. de Andrade, fervoroso partidário da
medicina de François-J.V. Broussais (1772-1836), que em 1842 defendeu a segunda
tese sobre (e a primeira contrária) a homeopatia na Faculdade de Medicina do
Rio de Janeiro (Andrade,
1842). Os alvos do autor foram, naturalmente, Jahn, além de José da
Gama e Castro (1795-1893) e Emílio Germon (1799-?). Gama e Castro, redator
do Jornal do
Commercio, publicaria em 1841 uma série de artigos em defesa da
homeopatia a pedido de Mure – na época em Saí, Santa Catarina, como veremos
mais adiante. Viajando à Europa em 1842, Gama e Castro foi sucedido por Germon
nessa tarefa. O trabalho de Andrade – especialmente sua queixa “É inexplicável
a rápida conversão dos nossos homeopatas!” (Andrade,
1842, p.22) – demonstra que a atividade homeopática desenvolvida no
Rio de Janeiro, antes de Mure se estabelecer na cidade (1843-1848), já era
notável, a ponto de ser atacada.
Germon
era um médico francês que veio ao Brasil no início da década de 1820, em
viagens de pesquisa sobre história natural por encomenda do então ministro do
Império José Bonifácio de Andrada (1763-1838). Quando José Bonifácio perdeu o
cargo, Germon deixou de contar com a proteção oficial e voltou à França, onde
aprendeu homeopatia com Hahnemann. Nomeado pelo governo francês membro de
comissões sanitárias, Germon foi um dos responsáveis pelo tratamento dos afetados
pela epidemia de cólera que assolou Marselha em 1835, como atesta carta enviada
pelo prefeito dessa cidade (Germon,
1848, p.311). Na sequência, em 1837, retornou ao Brasil, onde deu
continuidade a sua prática clínica homeopática.
De
acordo com meticuloso trabalho de arquivo, Raquel S. Thiago
(1995) demonstrou que Mure não realizou qualquer atividade
homeopática sistemática até pelo menos 1843, quando se estabeleceu no Rio de
Janeiro. Foi precisamente nesse ano que Germon publicou a primeira edição do
seu Manual de homeopatia,
cuja importância pode ser medida pelo fato de que a primeira edição, de dois
mil exemplares, se esgotou completamente, levando à produção de uma segunda
(1848) e uma terceira (1858) (Silva,
1870, p.169).4 Cabe
mencionar ainda que essa é uma das 43 obras de medicina, cirurgia e história
natural publicadas no Brasil entre 1808 e 1843, excetuando traduções de três
obras estrangeiras e três publicações seriadas (Paula,
1998). Germon chegou a ser considerado, em 1847, junto com Frederico
L.C. Burlamaque (1803-1866) e Alexandre A. Vandelli (1784-1862), para o cargo
de diretor do Museu Nacional (Marques,
Filgueiras, 2009). Em 1822, os moradores da vila de Parati fizeram
uma subscrição a fim de compensá-lo diretamente pelos cuidados médicos e
cirúrgicos a ser prestados anualmente aos assinantes e suas famílias, quando o
costume era que os médicos recorressem à Fisicatura-mor para receber seus
pagamentos (Pimenta,
1997, p.30).
Como
é sabido, Mure, na verdade, veio ao Brasil em 1840 para fundar um falanstério
fourierista,5 o
que tentou realizar em Saí.6 Como
observa Germon – confirmado na documentação recolhida por Thiago
(1995, p.143) –, Mure não chegou a desenvolvê-lo nem a fundar
instituições tais como a Escola Suplementar de Medicina e o Instituto
Homeopático de Saí, que aparentemente nunca saíram do papel, apesar de anunciadas
pelo Jornal do
Commercio. Provavelmente, movido pela falta de sucesso em Santa
Catarina, Mure decidiu transferir-se, em 1843, para o Rio de Janeiro, onde deu
início a suas atividades homeopáticas e onde, também, já existiam antecedentes
e condições para tanto, conforme vimos.
“O médico do povo”: práxis
leiga e difusão da homeopatia
Apesar
dos problemas mencionados, a delicada constituição do mito em torno da figura
do “introdutor” merece ser analisada para além dos evidentes equívocos e
contradições que lhe deram base. Nesse caso, seria interessante lembrar que a
impressionante difusão da homeopatia no Brasil deve ser, efetivamente,
atribuída ao trabalho conjunto de Mure e João Vicente Martins (1808-1854).
Igualmente e por motivos que logo veremos, seria bom lembrar que esses dois
homeopatas lendários não eram diplomados em medicina. De fato, a formação de
Mure sempre foi um assunto altamente polêmico, desde sua própria época até os
dias de hoje.7 Assim,
visando esclarecer essa questão polêmica, realizamos uma consulta junto à
direção de arquivos da Faculdade de Medicina de Montpellier, cujo resultado
permitiu verificar que Mure cursou um único semestre em 1837 (Figura
2).8
Figura
2 : Registre
des examens, 1837-1847, Montpellier (Fonte:
Direction des Affaires Générales, Université Montpellier 1, França)
Na
verdade, tal resultado seria de se esperar, pois tudo indica que, para Mure, a
homeopatia era uma prática alheia à medicina. Suas manifestações nesse sentido
foram as mais variadas, chegando até mesmo a afirmar que os praticantes da
homeopatia deveriam ser formados e treinados em instituições próprias, para que
não se “contaminassem” com os conceitos e práticas da medicina acadêmica. Essa
separação radical da medicina seria, aliás, o que justificaria o maior
progresso da homeopatia no Brasil em comparação à Europa:
Chegou
o tempo de revelar as causas profundas que entravaram durante 50 anos o
desenvolvimento da homeopatia na Europa e de patentear a razão porque o Brasil
tem em tão poucos anos sobrepujado os trabalhos de todos os homeopatas do mundo
desde o princípio do século atual. A posição atual da homeopatia no Brasil não
tem igual em nenhuma parte do velho continente. ... Enquanto a homeopatia for entregue
a seus maiores inimigos, praticada e ensinada pelos médicos, o seu progresso
será vagaroso e duvidoso o seu porvir. ... O golpe mais fatal que recebeu a
homeopatia no seu país natal foi a fundação de cadeiras de homeopatia no seio
das faculdades alopáticas (Mure,
8 abr. 1848).9
Não
se tratava de mero discurso. Ao contrário, com a colaboração de Martins, Mure
lançou-se com todo ímpeto à fundação de instituições associativas, de ensino e
atendimento clínico, como o Instituto Homeopático do Brasil e a Escola
Homeopática do Brasil, enfatizando a formação de leigos e o caráter
filantrópico e intrinsecamente cristão da homeopatia (Galhardo,
1928, p.514-518, 660-661). Ângela Porto
(1989) observou que esses esforços continuariam após o retorno
de Mure à Europa, em 1848, inclusive com a criação de um laboratório
homeopático no Rio de Janeiro, ocupado na preparação de boticas homeopáticas
que eram enviadas para todo o país, acompanhadas de folheto com instruções para
uso e preparo dos medicamentos.
O
uso leigo e doméstico da homeopatia foi particularmente enfatizado nas
publicações produzidas por Mure, Martins e seus discípulos, a começar pela
tradução brasileira de O
médico do povo: instruções pondo ao alcance dos homens conscienciosos e de boa
vontade os processos mais aperfeiçoados e as mais recentes descobertas da arte
de curar, indicando os meios de tratar todas as moléstias segundo os princípios
da homeopatia (Mure,
1853, 1868),
assim como em outras publicações desse gênero. Entre essas, alguns dos exemplos
mais notáveis seriam: Medicina
doméstica homeopática ou Guia prático da arte de curar homeopaticamente (Cochrane,
1868); Homeopatia
doméstica (Chidloe,
1853); e O
médico das crianças ou conselhos às mães sobre a higiene e tratamento homeopático das moléstias de seus filhos (Almeida,
Lemos, 1860).10
Desse
modo, no Brasil, a homeopatia em sua vertente leiga e contestatória se
automarginalizou da medicina oficial graças à ativa intervenção de Mure e
Martins. Por meio de um sólido trabalho de arquivo, T.S. Pimenta demonstra a
frustração do establishment médico,
devida à incapacidade de coibir o desenvolvimento de uma rival cada vez mais
poderosa. Assim, por exemplo, durante a epidemia de cólera de 1855, a
Secretaria de Polícia da Corte publicou uma listagem dos médicos habilitados
por endereço e “sistema de curativo” (convencional ou homeopático),
demonstrando o nível de reconhecimento governamental e a reputação da
homeopatia na sociedade em geral (Pimenta,
2003, p.215-216; 2004,
p.42). Por esses e outros motivos, impossível não concordar com Pimenta quando
afirma que um dos principais motivos do conflito entre médicos acadêmicos e
homeopatas foi a insistência inabalável de Martins de que não havia necessidade
de formação médica para exercer a homeopatia.
Todavia,
para o que se seguirá aqui, é necessário lembrar que uma parte significativa do
projeto de Mure e Martins incluía o envio de “missionários catequizadores” a
todas as províncias do Império e a diversos países vizinhos. Certos documentos
apontam para o envio de “missionários catequizadores” também à Argentina. A
omissão desse aspecto por quem se dedicou ao estudo histórico da homeopatia
argentina poderia, inclusive, indicar que tais missionários não exerceram
qualquer influência nos desenvolvimentos posteriores. No entanto, nos
deteremos, justamente, nesse aspecto histórico que com frequência foi
esquecido, em parte porque ilustra claramente o projeto de Mure e Martins; em
parte porque a compreensão mais ampla de tal projeto nos permitiu lançar luzes
diferentes, ou mesmo inéditas, sobre o histórico da homeopatia argentina.
Esse
histórico começaria, ainda no Brasil, a partir de um texto publicado no n.226
do Jornal do
Commercio, de 17 de agosto de 1851, no qual Martins relata que o
Instituto Homeopático do Brasil havia chancelado a ida de professores formados pela
Escola Homeopática do Brasil a Montevidéu e à Argentina em janeiro de 1850.
Esses professores eram o padre Santiago Estrázulas y Lamas e João Christiano
D’Korth, nenhum deles médico.11 O
único documento localizado que indica a possível presença deles na Argentina é
uma carta de D’Korth para Martins, datada de 24 de julho de 1851 e publicada
por Martins
(17 ago. 1851) no Jornal
do Commercio:
tendo
passado em diversos pontos da Confederação Argentina, demorando-me em cada um
deles tão somente o tempo necessário para dar a conhecer às vantagens da
homeopatia e nunca o preciso para ganhar dinheiro, porque meu lema sempre foi o
de – caridade sempre – em todo o tempo de minha missão de propaganda, o
executei tão rigorosamente, que até os próprios habitantes do campo e povoados
por onde passava se admiravam que pudesse haver um homem a quem se desse o nome
de médico, que trabalhasse sem recompensa e com sacrifícios e despesas, todavia
cheguei a receber reprovações de alguns comandantes dos povos onde exerci a
homeopatia por praticá-la com tão absoluto desinteresse.
A introdução da homeopatia na
Argentina
Um
primeiro aspecto que chama a atenção na historiografia da homeopatia argentina
é a falta da figura de um “introdutor” bem definido, pois até o momento não se
tem uma ideia clara de como nem por meio de quem a homeopatia aportou na
Argentina.12
O
primeiro homeopata conhecido a clinicar no país foi o médico francês Guillermo
Darrouzain (1802-1869). No entanto, sua atividade clínica na Argentina e no
Uruguai, em 1837 e 1838, não foi homeopática. De acordo com um anúncio que
publicou em 1855, nesse momento acabava de retornar à cidade de Rosário, tendo
adquirido “novos conhecimentos”, isto é, os homeopáticos (Vijnovsky,
2008, p.355-356). Em algum momento de sua trajetória, Darrouzain foi
perseguido pelo governo de Juan Manuel de Rosas (1793-1877) e, tendo que
suspender sua atividade profissional, é possível que tenha aproveitado esse
intervalo para aprender homeopatia. Na época, as vias de difusão da homeopatia
irradiavam a partir do Rio de Janeiro, de modo que é provável que Darrouzain
tivesse aprendido inicialmente com discípulos de Mure e Martins no Uruguai,
possivelmente o padre Estrázulas y Lamas.
Nesse
sentido, deve-se apontar um fenômeno bastante significativo, embora não
identificado pelos estudiosos até o momento. O governo de Rosas, especialmente
seu segundo período (1835-1852), foi caracterizado por uma violenta
intolerância política, diante da qual os opositores só encontravam saída no
exílio (Luna,
2009, p.51) em Montevidéu, no Chile, na Bolívia e também no Rio de
Janeiro. No último caso, alguns exilados aproveitaram o período transcorrido na
capital brasileira para adquirir formação em homeopatia.
O
primeiro exemplo relevante é fornecido pelo caso de Amado Laprida (1823-1862),
filho de Narciso de Laprida (1786-1829), presidente do congresso que decretou a
independência da Argentina da Espanha em 1816. Fugindo de Rosas, Amado se
exilou no Rio de Janeiro, onde completou a formação no Instituto Homeopático do
Brasil, entre 1844 e 1849 (Vijnovsky,
2008, p.361-362). De modo interessante, esse título foi oficialmente
reconhecido na Argentina para a prática convencional da medicina.
Outro
caso ainda mais notável é o da reputada educadora Juana Manso (1819-1875), que,
num artigo publicado em 1871, fez uma retrospectiva de sua experiência com a
homeopatia (Manso,
1871). Manso, também exilada devido ao governo de Rosas,
estabeleceu-se no Rio de Janeiro entre 1844 e 1846 e novamente entre 1848 e
1853, isto é, quando Mure ensinava e praticava a homeopatia na cidade. Manso
fez relatos acerca de seus contatos com Mure e, mais especialmente, com
Martins, além de outros, assim como do fato de que ela, sua mãe e uma de suas
filhas haviam sido salvas da epidemia de febre amarela pelo tratamento
homeopático. Além disso, o aparente sucesso de sua prática homeopática
doméstica fez com que vários dos seus vizinhos a procurassem para a solução de
diversas condições mórbidas.13
Os
depoimentos de Manso são de grande relevância para a história da homeopatia
argentina, porque dão evidências de trocas homeopáticas entre o Brasil e a
Argentina e abrem espaço para que se desenhe a possibilidade de a homeopatia
ter sido incrementada na Argentina a partir de conhecimentos obtidos com Mure e
Martins no Brasil.
Também
merece destaque o caso de Domingo Matheu (1817-1870), cujo pai, com o mesmo
nome, participou na Primera Junta de Mayo, que governou a Argentina após a
independência. Matheu Filho também passou uma temporada de exílio no Rio de
Janeiro, retornando a Buenos Aires em 1854, quando, a fim de obter o título de
doutor em medicina, apresentou uma tese intitulada Algunas consideraciones sobre la
homeopatía (Matheu,
1854), na qual contesta os princípios homeopáticos, dos quais se
mostra profundo conhecedor. Uma vez que, na época, conforme pontuado até aqui,
não havia atividade homeopática detectável na Argentina (além da exata
coincidência entre a data de sua chegada e a de sua tese), é mais que provável
que também Matheu tivesse adquirido seus conhecimentos no Rio de Janeiro.
Assim,
embora identificada, a circulação aqui descrita, bem como suas possíveis
implicações para o desenvolvimento da homeopatia na Argentina, ainda demanda
muita atenção. Essa observação se torna ainda mais intrigante ao se considerar
que os exemplos citados dizem respeito a personalidades públicas.
Primeira instituição e
primeiros problemas
Embora
tenhamos identificado a presença e a atividade de homeopatas na Argentina pelo
menos desde a metade do século XIX, a primeira instituição formal, a Sociedad
Hahnemanniana Argentina, foi fundada apenas em 1869, sob o patrocínio do médico
homeopata espanhol Antonio Álvarez Peralta, membro da Sociedad Hahnemanniana
Matritense.
As
tarefas assumidas pela sociedade abrangiam a publicação do Boletín de la Sociedad Hahnemanniana
Argentina, que circulou de maio de 1869 a outubro de 1872, com
artigos sobre a teoria e a prática homeopáticas, dedicados ao público médico.
Por esse motivo, também incluía matérias de interesse geral da classe médica,
como a da criação contemporânea do Consejo Nacional de Higiene (CNH), a da
regulamentação das casas de tolerância e, a partir de 1871, sobre a epidemia de
febre amarela. Esta última foi exatamente o motivo para a redução na frequência
de publicação do Boletín,
a partir de janeiro de 1871, como informa o seu comitê editorial, no n.16, de
1871, e para o encerramento completo das atividades da sociedade em outubro de
1872 (Sociedad...,
1871, p.362-363; 1872,
p.393-394).
Nesse
ínterim, a homeopatia sofria os primeiros ataques, como evidencia o debate em
relação à criação do CNH. Assim, o editorial do Boletín, de 25 de agosto
de 1870, alerta para o fato de que o projeto de fundação do CNH era uma “arma
preparada para destruir a homeopatia em Buenos Aires, que é o pesadelo dos
senhores homeopatas” (Sociedad...,
1870). O texto se refere aos artigos estatutários que outorgavam ao
CNH o poder de fiscalizar o exercício da medicina e da farmácia.
Em
paralelo, um acirrado debate ocupou grande espaço na Revista Médico-quirúrgica,
entre maio de 1860 e junho de 1870, fazendo com que, quinzenalmente, essa
polêmica se reavivasse nas páginas da revista voltada para o público médico
convencional. O estopim para tal debate foi a publicação da obra Reseña del sistema médico
homeopático y dosis infinitesimales, acompañada de algunos documentos y datos
estatísticos, pelo médico homeopata Juan Corradi (?-?), membro da
Sociedad Hahnemanniana Argentina (Corradi,
1869). Tratava-se, evidentemente, de uma obra de divulgação, mas
chamou a atenção do editor da revista, Pedro Mallo (1837-1899), que desafiou
Corradi a um debate público no periódico. Não é nosso objetivo, aqui, descrever
as posições de um e de outro com relação aos benefícios do tratamento
homeopático defendidos por Corradi e fortemente atacados por Mallo, mas apenas
evidenciar a presença da homeopatia no cenário médico argentino do século XIX,
representado aqui pela mais prestigiada revista médica da época.
A segunda (e curiosa)
instituição homeopática argentina
No
ano em que a Sociedad Hahnemanniana fechava suas portas, foi fundada outra
instituição, a Sociedade Homeopática Argentina (SHA), presidida por Juan Petit
de Murat (1832-1888), responsável, a partir de 1875, pela publicação do
periódico El
Homeópata. Aparentemente, a SHA dava continuidade à instituição
anterior, já que entre seus membros fundadores constavam três da antiga
sociedade ora extinta (Jonas,1951,
p.134-135). Essa presumível continuidade, assim como a reputação adquirida por
Petit de Murat durante o combate à epidemia de febre amarela,14 parecia
ter deixado estabelecido o status da
SHA. No entanto, duas notas discordantes chamaram nossa atenção. Em primeiro
lugar, o fato de uma instituição falir para reabrir imediatamente sob outro
nome. Em segundo, a observação do conteúdo de El Homeópata, quando comparado ao do Boletín.
Quanto
aos aspectos formais, o Boletín é
austero, sem imagens de capa, seu conteúdo é estritamente médico, incluindo
aspectos da teoria e prática homeopáticas, discussões de casos clínicos e
debates com a medicina convencional. Isto é, a publicação estava evidentemente
destinada a um público médico. Levando isso em consideração, um lançar de olhos
sobre El Homeópata já
é capaz de captar um contraste marcante.
Como
ilustra a Figura
3, El Homeópata não
pretende ser um periódico médico, mas um veículo de divulgação científica e
literária, com fortes elementos religiosos, como denota a presença dos anjos
nos dois lados do rosto de Hahnemann, um deles anunciando a homeopatia com uma
trombeta, e o outro trazendo a coroa para consagrar seu triunfo. O rosto de
Hahnemann está pousado sobre uma águia, animal utilizado como símbolo da
homeopatia, também presente nas publicações do Instituto Homeopático do Brasil,
presidido por Mure. Da mesma forma, há referências bíblicas explícitas a
Malaquias 3:20 (Et orietur
vobis timentibus nomen meum sol iustitiae et sanitas in pennis eius:
Mas para vós que temeis meu nome, nascerá o sol de justiça e nas suas asas
trará saúde) (Sacrosancti...,
1986), parafraseadas no subtítulo. Finalmente, o propósito manifesto
de “defender a ciência sem privilégios”, praticar a “caridade sem limites” e
“agir, em vez de falar”, de modo que se pode concluir que El Homeópata carregava
um forte componente ideológico, muito similar ao projeto de Mure e Martins.
Figura
3 : Primeiro número de El
Homeópata (Fonte: Biblioteca Nacional
de la República Argentina)
A
análise do conteúdo dos artigos publicados nesse periódico corrobora nossa
hipótese. À guisa de exemplo, pode-se citar uma seção reiterada nos vários
fascículos, dedicada “Às mães de família e ao público em geral”, em que são
oferecidos conselhos sobre nutrição, educação e higiene infantis, além de
incentivada a prática leiga e doméstica da homeopatia. Há ainda uma série de
artigos, muitas vezes intitulados “Lecciones de Homeopatía”, de autoria de
Petit de Murat, que visavam difundir, de modo didático e prático, os
fundamentos da prática homeopática entre o público leigo. Essa linha editorial
é imediatamente evocativa do tipo de obras publicadas por Mure, Martins e
discípulos, descritas anteriormente.
Chama
a atenção o fato de esta última seção também discutir a situação da homeopatia
em outros países. A respeito do Brasil, na “Lição n.VI”, por exemplo, Petit
de Murat
(5 dez. 1875, p.2) descreve a situação da homeopatia no país,
enaltecendo o papel que Mure desempenhara em tal contexto, e enfatiza que
diversos alopatas e outras pessoas antes assumidamente contra a prática
proposta por Hahnemann estavam agora trabalhando como homeopatas. Encontra-se,
também, a seção “Cartas edificantes o instructivas sobre la homeopatía”, que
traz textos sobre a vida de Hahnemann e a homeopatia no cenário médico
internacional.
No
entanto, a maior parte do periódico está dedicada a um ataque acirrado, com
termos por vezes violentos, à medicina convencional (alopatia), que chega a ser
qualificada de trevas, em oposição à homeopatia, considerada a “luz”. A
homeopatia, por compreender em qual “lado se encontram a verdade e a justiça”,
poderia curar “para sempre uma doença ... evitar cirurgias ... curar de maneira
radical enfermidades nervosas, inclusive a alienação mental” (Murat, 5 dez.
1875, p.1). Avançando nesse raciocínio, propõe-se que: “diminuirá o número de
médicos, posto que cada pai de família, cada padre d’almas, cada Prior de
convento ou chefe de Regimento poderá ser médico dos seus. Como já existem
muitos exemplos. Tudo isso é e pode a ciência homeopática. Não é exagero” (Murat,
1875, p.1).
Literal
e explicitamente, tem-se aí reproduzido o modelo de Mure e Martins, o que é
referendado por um texto do último, publicado no Jornal do Commercio, em
17 de agosto de 1851, em que afirma:
um
dia virá em que todo chefe de família compreenderá como não está fora do seu
alcance, de sua inteligência, curar ele mesmo todas as moléstias de seus
filhos, de seus parentes, de seus fâmulos e de seus vizinhos menos que ele
cuidadosos: essa convicção virá para todos quando se forem multiplicando os
exemplos de curas homeopáticas alcançadas por quem não for médico; e essa
multiplicidade de exemplos aí está o clero brasileiro a promovê-la dia a dia,
aí estão os nossos discípulos (os que ficaram dignos de si e de nossa maior
afeição) para explicar ao povo como facilmente pode ele ter à mão os remédios
de seu emprego quando são apropriados (Martins,
17 ago. 1851).
Dada
a circulação de homeopatas entre o Brasil e a Argentina e as profundas
semelhanças entre os movimentos liderados por Mure-Martins e Petit de Murat,
decidimos pesquisar de modo mais abrangente a biografia científica deste
último. Com base na informação fornecida por descendentes de Petit de Murat em
seminário apresentado no Departamento de Homeopatia da Universidade Maimônides,
em Buenos Aires, Argentina, conseguimos estabelecer que Petit de Murat nasceu
em 1832 no Rio de Janeiro, sendo seu nome Juan Jacinto Vieyra da Silva Denis
Petit de Murat. Não se sabe muito acerca de sua vida, apenas que se casou aos
19 anos no Uruguai e que em 1871 aportou em Buenos Aires, para visitar
familiares. Na ocasião, a epidemia de febre amarela estava no seu acme, e Petit
de Murat teve atuação destacada, como já foi mencionado.
Sendo
estrangeiro, Petit de Murat precisava revalidar seu título de médico (Giampietro,
2011, p.207), contudo, não pudemos localizar a tese requerida para
tanto. Em 1875, ele apresentou um diploma em antropologia e homeopatia,
expedido pela Facultas Universitatis Americanæ apud Philadelphiam, da
Pensilvânia, EUA – conservado no acervo familiar. A procura por essa escola na
literatura especializada foi infrutífera, de modo que consultamos diretamente o
Departamento de Educação do Estado da Pensilvânia, sendo informados de que, se
essa escola realmente operou, o fez sem autorização nem acreditação.
Desse
modo, deve-se concluir que, assim como Mure e Martins, Petit de Murat também
não era médico, o que talvez explique por que todos eles defendiam a prática
leiga e doméstica e atacavam a classe médica. Tampouco pode ser descartada,
embora não tenhamos conseguido localizar documentação confirmatória, a ideia de
que Petit de Murat tivesse adquirido seus conhecimentos homeopáticos no Brasil
junto a discípulos de Mure.
Os
resultados de nossa pesquisa apontam para processos de difusão da homeopatia no
século XIX que não se enquadrariam nos modelos de elaboração tradicional.
Embora por razões bem diferentes, foi possível notar, por exemplo, que a figura
do “introdutor” não seria pertinente, tanto no caso brasileiro quanto no
argentino.
Conforme
demonstrado pela documentação, no caso brasileiro, ao menos três homeopatas
pleitearam o título de “introdutor” da homeopatia: Germon, Mure e Duque
Estrada, sem esquecer, ainda, F. Jahn, responsável pela primeira produção
acadêmica sobre o assunto no país. Por outro lado, essa documentação também
demonstrou que os três contendentes principais tiveram destacadíssimo papel no
estabelecimento da homeopatia no país, em diferentes níveis de atuação: Germon
principalmente como autor, Mure como propagador popular, e Duque Estrada na
interface com as instituições médicas oficiais. Ou seja, a nenhum deles poderia
ser atribuída, isoladamente, a bem-sucedida implantação da homeopatia no
Brasil. A bem da verdade, tudo parece indicar que o trabalho sucessivo ou
conjunto de incontáveis personalidades teve, igualmente, papel crucial.
No
caso argentino, o modelo baseado na figura do “introdutor” mostra ser
completamente inaplicável, posto que sequer parece ter existido um candidato
adequado para o título. Talvez esse seja o motivo do marcante vazio no espaço
ocupado pela Argentina no mapa da difusão da homeopatia no século XIX. Por
outro lado – diferentemente do caso brasileiro, notável pela continuidade
institucional até inícios do século XX –, a homeopatia argentina sempre foi
dispersa, até a formação de um núcleo duro de estudiosos, práticos e ativistas
na década de 1930.15 Essa
mesma circunstância histórica também vai contra o modelo tradicional, que
considera o século XIX o momento de vertiginosa expansão da homeopatia, em
oposição ao declínio por ela experimentado no século XX, justamente, a partir
da década de 1940, quando na Argentina tem início seu auge.16
A
pesquisa documental também nos permitiu constatar a existência de uma
circulação, ainda pouco conhecida, mas notável, de homeopatas, tanto leigos
quanto médicos diplomados, no eixo Rio de Janeiro-Buenos Aires. Igualmente, foi
possível verificar a influência dos chamados “missionários catequizadores”
enviados por Mure e Martins para além das fronteiras do Império, como indicaria
o caso de Darrouzain, um dos primeiros médicos a exercer, reconhecidamente,
homeopatia na Argentina. Espera-se, assim, que essas vias de pesquisa, ainda
pouco trilhadas, possam trazer novas contribuições para a elucidação do
desenvolvimento histórico da medicina na América Latina no século XIX.
AGRADECIMENTOS
Os
autores agradecem à professora doutora Ana Maria Alfonso-Goldfarb seus
conselhos e a minuciosa revisão do manuscrito. Igualmente, agradecem ao
professor doutor Martin Dinges, do Institut für Geschichte der Medizin der
Robert Bosch Stiftung, Stuttgart, Alemanha, ter facilitado o uso dos arquivos
do instituto e seu caloroso acolhimento. Finalmente, o reconhecimento ao doutor
José E. Eizayaga, diretor do Departamento de Pós-graduação em Homeopatia da
Universidad Maimónides, Buenos Aires, Argentina, por sua gentil colaboração.
Parte deste trabalho é resultado da pesquisa de doutorado de Conrado Mariano
Tarcitano Filho, realizada com auxílio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes), a quem os autores agradecem.
O
muito querido médico e doutor em história da ciência, apaixonado pelo seu Rio
de Janeiro, Conrado Mariano Tarcitano Filho, nos deixou em 26 de novembro de
2014. Porém, com a imensa satisfação de saber que o presente artigo tinha sido
aceito pela prestigiosíssima História,
Ciências, Saúde – Manguinhos. A tal ponto estava orgulhoso e tal
era seu cuidado no trabalho, que, impedido já de se locomover, não hesitou em
solicitar a ajuda de amigos e familiares para voltar a verificar a literatura
nas bibliotecas do Rio de Janeiro. Fica para nós o seu exemplo, o seu
sorriso... e as saudades (Silvia Waisse).
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Tawa: Great Auk. 1999. [ Links ]
1 Não conseguimos localizar seus dados biográficos, exceto que
deve ter concluído seus estudos de medicina na Universidade de Coimbra em 1835
(Universidade...,
1834, p.13).
2 Nesta e nas demais citações em língua estrangeira, a
tradução é livre.
3 Para exemplos desse padrão em publicações, dissertações e
teses, vide Monteiro,
Iriart (2007); Galhardi,
Barros (2008); Loch-Neckel,
Carmignan, Crepaldi (2010); Ferreira
(2010); Figueiredo,
Machado (2011).
4 Notavelmente, essa obra não consta no catálogo de nenhuma
biblioteca no Brasil. A cópia consultada para nosso estudo foi obtida junto à
Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL). Graças à intervenção do Centro Simão
Mathias de Estudos em História da Ciência (Cesima), a obra foi digitalizada e
na atualidade se encontra disponível on-line por
acesso aberto no website da
BNL.
5 Como afirma Mure num texto no Jornal do Commercio, de
17 de dezembro de 1840, e é registrado na primeira crônica sobre a história da
homeopatia no Brasil, preparada por Alexandre J. de Mello Moraes (1816-1878),
discípulo de Martins, para ser apresentada num encontro internacional de
homeopatia, realizado em Filadélfia em 1878 (Mello
Moraes, 1879, p.2).
6 Para detalhes inteiramente baseados em documentos
conservados, ver Thiago
(1995).
7 Ao aportar no Rio de Janeiro, em 1840, Mure informou ser
médico formado na faculdade de Paris (Thiago,
1995, p.51). No entanto, em sua tese de doutoramento apresenta-se
como graduado em Montpellier (Mure,
1843, p.6). Essa versão é corroborada na tradução de L’homéopathie mise à la portée des
médecins et des gens du monde (1842), do doutor
[Marie-Guillaume-Alphonse] Devergie
(1843, p.11), feita por um anônimo membro do Instituto Homeopático do
Brasil. No entanto, em 1847 ocorreu um cisma na incipiente comunidade
homeopática brasileira, que resultou na criação da Academia Médico-homeopática,
exclusiva para médicos e farmacêuticos oficialmente diplomados (Galhardo,
1928, p.424 e s.). Curiosamente, Mure não foi admitido na Academia, e
o motivo é indicado pelo médico Maximiano Marques de Carvalho
(24 jan. 1848) no Jornal
do Commercio (24 jan. 1848): “M. Mure não foi nem é médico
homoeopata, nem alopata, mas negociante em fitas, telas e brocados em Lyão,
donde é natural”. A polêmica historiográfica seria iniciada por Galhardo
(1928, p.475 e s.), que acusa Marques de Carvalho de má-fé e ratifica
o grau em medicina de Mure com base num texto que este publicara no Jornal do Commercio em
23 de janeiro de 1848, no qual afirma explicitamente ter obtido seu “diploma
alopático” em Montpellier (Mure,
23 jan. 1848). A defesa feita por Galhardo foi, desde então, assumida
por toda a tradição de estudiosos e praticantes de homeopatia no Brasil.
8 Como é apontado na literatura disponível (Galhardo,
1928, p.654, 668-669, 677-678), J.V. Martins era cirurgião, e não
médico. No século XIX, as atribuições específicas de boticários, cirurgiões e
médicos eram bem definidas, cabendo aos primeiros a preparação de medicamentos,
aos segundos o tratamento de moléstias externas, traumatismos e procedimentos
cirúrgicos e aos últimos o diagnóstico e tratamento das moléstias internas (Prata,
2010).
9 Essa visão é corroborada pelos médicos homeopáticos
contemporâneos. Assim, Germon
(1845, p.13-14)observa, em termos muito violentos: “sans-culotte iluminados,
intitulados ‘Instituto Homeopático’, que dirigidos ... por um maníaco
Saintsimoniano... um homeopata [que] trata todos os médicos brasileiros de
ignorantes e até de idiotas”. Por sua vez, Marques de Carvalho (24 jan. 1848,
p.2) indica que “M. Mure insulta os homeopatas que estudaram nas antigas
escolas, profanando assim ao nosso mestre [Hahnemann] que foi médico alopata”.
10 Além dos já referidos, valeria à pena ainda destacar: Matéria médica, ou, patogenesia
homeopática, contendo a exposição científica e prática dos caracteres e efeitos
dos principais medicamentos homeopáticos, coligida e posta ao alcance do povo (Mello
Moraes, 1852); Guia
prático de medicina homeopática
para uso do povo (Mello
Moraes, 1860); Dicionário
de medicina e terapêutica homeopática, ou a homeopatia posta ao alcance de
todos ... (Mello
Moraes, 1872).
11 Eles são também mencionados como os “introdutores” da
homeopatia no Uruguai por Tischner
(1939, v.4, p.722-723), que não faz menção à Argentina. Martins,
porém, é enfático ao afirmar que a Argentina também teria sido visitada por
esses homeopatas. Sobre as atividades homeopáticas de Estrázulas y Lamas no
Uruguai, ver Tunes
(s.d.). A viagem de D’Korth ao Uruguai para difundir a homeopatia é
testemunhada em Laemmert
(1851).
12 Mitos, no entanto, não faltam. Assim, conta-se que o general
José de San Martín (1778-1850) utilizou medicamentos homeopáticos ao cruzar os
Andes para libertar o Chile e o Peru do reino espanhol. A suposta botica
homeopática de San Martín está exposta no Museo Histórico General San Martín,
em Mendoza. No entanto, essa botica pertencia a Ángel Correas, e, segundo a
família do mesmo, este a teria cedido a San Martín. Inúmeros homeopatas
argentinos dedicaram-se a especular, em função dos vidros mais cheios e mais
vazios, para quais moléstias San Martín teria se utilizado de medicamentos
homeopáticos. No entanto, nenhum deles fez a pergunta mais evidente: como a
botica voltou para a filha de Correas? De acordo com outro mito, o general Bartolomé
Mitre (1821-1906) teria levado consigo, na Guerra do Paraguai, uma botica
homeopática atualmente conservada no Museo Mitre, em Buenos Aires. No entanto,
nossa visita pessoal permitiu conferir que os medicamentos lá exibidos não são
homeopáticos, sendo que quem fez essa atribuição (Belgrano, 1970, citado
em Vijnovsky,
2008, p.49, 147) aparentemente ignorava que, na época, os medicamentos
utilizados na medicina convencional eram os mesmos que os homeopáticos, só que
em doses ponderais, além do fato de que seldigestif
de Vichy, Cachon, Aromathique e Alun nem são nomes
de medicamentos homeopáticos.
13 Aproveitamos para esclarecer aqui um erro sistematicamente
reiterado na literatura argentina, que afirma que Manso havia obtido o título
de médica no Rio de Janeiro, depois de se matricular no curso de obstetrícia da
Faculdade de Medicina, em 1852. Ao que tudo indica, essas fontes ignoram que a
carreira de parteira é separada até o dia de hoje da de medicina, inclusive na
Argentina. Levando-se isso em consideração, lembramos que a primeira médica
brasileira foi Maria Augusta Generoso Estrela (1860-1946), que se formou nos
EUA apenas em 1879. Já a primeira mulher a se formar em medicina numa escola
brasileira, em 1887, foi a gaúcha Rita Lobato Velho Lopes (1867-1954).
14 Sua atuação lhe valeu a nomeação como médico pela Comisión
Popular Masónica e pela Prefeitura de Buenos Aires. Dados fornecidos por
descendentes de Petit de Murat ao doutor José E. Eizayaga, que nos repassou
amavelmente. Por esses motivos, Petit de Murat também se tornou médico de
diversos presidentes da nação, como, por exemplo, o general Julio Argentino
Roca, que presidiu o país entre 1860 e 1866.
15 Embora esse período não pertença ao escopo do presente
trabalho, a verificação de como teria se constituído a institucionalização da
homeopatia argentina, a partir de 1930, já se encontra em um de nossos estudos
anteriores (Tarcitano
Filho, 2013).
16 Essa progressão histórica vai de encontro a outro modelo
identificado pelos estudiosos, de acordo com o qual a homeopatia experimentou
uma expansão vertiginosa no século XIX, para decair no século XX, mais
precisamente, a partir da década de 1940, até ressurgir a partir dos anos 1970,
no contexto da crítica geral à medicina convencional em função do seu custo e
desumanização, da produção de doenças iatrogênicas, do aumento do nível de
educação global e do movimento New
Age, entre outros fatores (Dinges,
1996).
História, Ciências, Saúde-Manguinhos
versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758
Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.23 no.3 Rio de Janeiro jul./set. 2016 Epub 18-Jul-2016
https://doi.org/10.1590/S0104-59702016005000017
Recebido:
Junho de 2014; Aceito: Dezembro de 2014
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