GINECOLOGIA NATURAL: UM OLHAR DIFERENTE PARA CUIDAR DA SAÚDE FEMININA E,INCLUSIVE DA GRAVIDEZ.ENTENDA!

 

A engenheira Amanda Lima, grávida de Lara, tratou irregularidade menstrual adotando rituais da ginecologia natural, como “plantar a lua” (Foto: Arquivo Pessoal)

A engenheira Amanda Lima, grávida de Lara, tratou irregularidade menstrual adotando rituais da ginecologia natural, como “plantar a lua” (Foto: Arquivo Pessoal)

Ginecologia natural: um olhar diferente para cuidar da saúde feminina e, inclusive, da gravidez. Entenda!

Movimento de cunho feminista ganha adeptos na medicina e força na internet com discurso de empoderamento, saúde integral e tratamentos alternativos

Quando a engenheira ambiental Amanda Lima interrompeu o uso da pílula anticoncepcional que adotara havia mais de uma década, chegou a ficar 120 dias sem menstruar. Os exames não detectavam nenhum problema e lhe sugeriam voltar para o método hormonal. Mas Amanda já estava interessada pela Ginecologia Natural, movimento que vem ganhando força nas redes sociais nos últimos anos, e marcou consulta com “uma médica meio bruxa” com mais de 50 mil seguidores no Instagram.

“Foi uma experiência diferente e empoderadora: ela apresentou minha vulva com um espelhinho, ensinou como passar o espéculo e colher o preventivo ali”, diz. Para tratar a irregularidade menstrual da paciente, a ginecologista e obstetra Débora Rosa prescreveu chás, óleos essenciais e vaporização do útero (técnica que expõe a vagina ao vapor de ervas medicinais). Ela também ensinou Amanda sobre “mandala lunar” (diário para observar as mudanças físicas e emocionais durante o ciclo menstrual), “plantar a lua” (ritual que ‘devolve à terra’ o sangue menstrual) e “percepção da fertilidade” (pela observação do muco vaginal).
Amanda perdeu o nojo das próprias secreções, voltou a menstruar e atualmente está grávida de 29 semanas de Lara. Ao invés de tomar ácido fólico e vitaminas pré-natal, preferiu ter o acompanhamento de uma nutricionista. Lidou com as náuseas do início da gestação apenas com uma mistura de água gelada e gengibre ou limão. E, quando uma ultrassonografia apontou cistos no rim de sua filha, decidiu tratar com terapia dos florais: “Acreditamos que são meus medos somatizados no corpo dela”, diz, aos 31 anos. 

Na minha época de faculdade, quem perguntava sobre ginecologia natural sofria bullying”, diz Débora [@ginecologistanatural], do Rio de Janeiro. Ela ministra a disciplina em quatro pós-graduações e fundou a Liga da Ginecologia Natural no ano passado. Vale frisar que, sem o reconhecimento das entidades oficiais, a prática não pode ser considerada uma especialidade médica. Pode-se dizer que é uma forma de atendimento. Cada profissional compõe sua própria formação acumulando cursos como fitoterapia, aromaterapia, medicina ayurveda, naturologia, terapia holística, além de imersões no “Sagrado Feminino” – vivências entre mulheres sobre a essência feminina e sua conexão com a natureza. A bolsa que Débora leva para atender partos pode conter plantas para fazer chás na hora, tambor para cantos sagrados ou ímanes de magnetoterapia (tratamento alternativo que envolve campos magnéticos). 

De acordo com o artigo A ginecologia natural na América Latina: Um movimento sociocultural do presente, publicado na Revista Latinoamericana - Sexualidad, Salud y Sociedad em 2019, a filosofia emergiu na última década. Não é mera coincidência que tenha se popularizado com a ascensão do feminismo e da demanda por parto natural e/ou humanizado. Entre outras coisas, a ginecologia natural propõe uma mudança na tradicional hierarquia entre médico e paciente. O caminho seria o diálogo aberto entre mulheres, assim como o resgate de saberes antigos e naturais. Há uma forte crítica ao “excesso de procedimentos médicos desnecessários”, assim como de diagnósticos e medicalizações.

“Elas não querem mais os médicos pedindo exames, impondo a pílula e retorno em um ano. Querem participar da tomada de decisão”, diz a ginecologista e obstetra Andrea Rebello [@andrearebellogo], de São Paulo. Quando a conversa com a paciente é controle de natalidade, ela explica sobre todos os métodos contraceptivos - incluindo a análise do muco vaginal, cuja consistência varia ao longo do ciclo menstrual: “Quando você reconhece que está no período fértil, escolhe entre não ter relações sexuais, usar camisinha ou não fazer penetração pênis-vagina”. A autonomia e o autocuidado são incentivados, convidando as mulheres a ouvirem o próprio corpo e perceberem quando algo vai mal.

O movimento questiona a cultura de ir ao ginecologista anualmente para fazer exames e “ver se está tudo bem”. Andrea afirma que essa é uma prática fomentada nos grandes centros urbanos, principalmente por redes de laboratórios e convênios. “Por que homem não tem que ir todo ano no urologista, ser todo revirado e biopsiado e tomar um monte de remédio?”, afirma. De fato a tradutora Eloísa Zerneri, de 33 anos, estava acostumada com “médicos que mal te olham, já pedem um monte de exames e só” até entrar no consultório de Andrea. “Desde o início entendi que seria uma relação diferente: ela perguntou de toda a minha vida e como eu havia chegado até ali”, diz. “Me enxergou por completo”. Eloísa ri ao contar que as amigas a acharam “doida” por seguir o acompanhamento pré-natal com uma obstetra que não faz ultrassom toda consulta ou prescreve plantas para irritações genitais. Caetano nasceu há uma semana em um parto domiciliar. Mãe e filho passam bem.

Eloísa Zerneri sentiu que, na ginecologia natural, a médica a enxergou “por completo” (Foto: Arquivo Pessoal)

Eloísa Zerneri sentiu que, na ginecologia natural, a médica a enxergou “por completo” (Foto: Arquivo Pessoal)

Enquanto boa parte das consultas tradicionais (especialmente por convênio) dura entre 15 e 30 minutos, profissionais adeptos da ginecologia natural costumam dedicar mais de uma hora para cada paciente. Não à toa as médicas ouvidas pela reportagem não atendem planos de saúde e cobram entre R$ 300 e R$700 por consulta – quase sempre sem direito a retorno. Elas perguntam muito mais do que a data da última menstruação. Querem saber sobre níveis de estresse, alimentação, horários de sono, rotinas de exercícios... Na ginecologia natural, a saúde da mulher é abordada de forma integral. Acredita-se que o contexto pode desencadear doenças e a cura estar no equilíbrio do estilo de vida – mudanças na alimentação, prática de atividade física, terapia etc.

“Não somos vaginas, ovários e mamas ambulantes: há toda a complexidade do ser”, diz a ginecologista Débora Rosa. Por trás de um corrimento vaginal, por exemplo, pode haver insegurança com a mudança de emprego ou o término de um relacionamento. Também de acordo com ela, muitas vezes os sintomas e as patologias começam no campo energético, emocional e mental: “O corpo vai mandando sinais, mas estamos acostumados a só silenciá-lo com remédios”. Em linhas gerais, o movimento não se coloca contra a alopatia em si, mas atenta para o seu uso indiscriminado.

As médicas ouvidas por CRESCER apontam que alguns tratamentos naturais não têm evidência científica porque não interessaria à indústria farmacêutica estudar ou divulgar essas informações. Para náuseas no começo da gestação, a ginecologista e obstetra Dúnia Valle [@ventre.vivo] prescreve chás de hortelã ou melissa. Também recomenda o uso de óleos essenciais para dor de cabeça antes de partir para uma medicação tradicional. No pós-parto, indica banhos de assento ou compressas com ervas cicatrizantes. “Mas não é porque vem da natureza que não tem efeito colateral - se tiver algum, interrompemos o uso e avaliamos a troca”, diz a médica.

A professora de artes Simone Moraes, de 34 anos, teve uma laceração durante o parto do filho Teodoro (6 meses) e levou pontos no períneo. Ainda no hospital, recebeu de Dúnia um pouco de barbatimão e calêndula para ajudar na recuperação em casa. “Fiz uma infusão e espirrei na região cerca de cinco vezes por dia”, diz. Em duas semanas, não sentia mais nenhum desconforto. Meses mais tarde, Simone voltou ao consultório com mastite (inflamação na mama). “Ela prescreveu antibiótico, mas sugeriu argila branca como um anti-inflamatório natural. Passei por três dias e melhorei... acabei nem tomando o remédio”.

Simone Moraes e o filho Teodoro: ela tratou a laceração pós-parto e uma mastite sem o uso de alopatia (Foto: Arquivo Pessoal)

Simone Moraes e o filho Teodoro: ela tratou a laceração pós-parto e uma mastite sem o uso de alopatia (Foto: Arquivo Pessoal)

Enquanto Dúnia e Andrea apostam que a ginecologia natural e a obstetrícia humanizada caminham de mãos dadas, Débora discorda. Ela afirma que muitos colegas “da humanização” recorrem a alternativas como óleos essenciais para amenizar a dor no trabalho de parto, mas prescrevem remédios para “qualquer colicazinha” na gestação. E vai além na tentativa de reforçar as diferenças entre as correntes: “Se a mulher dilatou bem até os 10 cm e, de repente, empacou... O obstetra convencional provavelmente vai operar e o humanizado vai tentar spinning babies (técnica com exercícios direcionados). Eu vou ajudá-la a respirar, se conectar com a própria intuição para entender o que houve e dizer que converse com o bebê”.

Fonte:https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/02/ginecologia-natural-um-olhar-diferente-para-cuidar-da-saude-feminina-e-inclusive-da-gravidez-entenda.html?




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