HOMEOPATIA ALÉM DA ÁGUA COM AÇÚCAR


 

Homeopatia além da água com açúcar

Um apanhado geral sobre essa ciência (ou fake science?), que mesmo depois de séculos ainda gera polêmicas


Senta que lá vem história

Imagem: Juulijs

A “descoberta” da homeopatia, como assim pode-se dizer, é obra de um só homem: o médico alemão Samuel Hahnemann, que em 1796 fundamentou um novo modelo terapêutico disposto a olhar de maneira diferenciada para o binômio doente-doença. Foi apenas meio século depois de seu surgimento que o francês Claude Bernard estabeleceu os fundamentos da medicina científica. Mas por que citar Bernard? Tanto ele como Samuel foram os responsáveis por dar os primeiros passos rumo a caminhos quase que totalmente opostos dentro da medicina. Claude tinha a necessidade de conhecer o porquê das coisas e isso o levou a crer que compreender o funcionamento normal de um organismo era um elemento prévio para tratar e conhecer as doenças humanas. Ele desejava elucidar, através da razão e da experiência, a fisiologia, depois a patologia e só depois estabelecer uma terapêutica rigorosa. Hahnemann, por sua vez, não era um pesquisador por vocação. Sua necessidade era a de uma terapêutica eficaz, e para ele de nada adiantavam as elaborações se elas permanecessem sem uma aplicação imediata.

No século XVIII, a aprendizagem da medicina era em sua maior parte teórica, sendo possível adquirir um diploma sem ao menos ter cuidado de um único doente. Os hospitais da época eram, em suma, hospícios não-medicalizados aos quais as pessoas mais pobres se dirigiam para tratarem de suas enfermidades, submetendo-se aos cuidados de todos os tipos de curandeiros. Dessa forma, a medicina popular acabou por ser muito desenvolvida.

A farmacopeia se dividia em dois principais ramos: as plantas e a química. A fitoterapia, ou seja, tratamento pelas plantas, beneficiava-se da tradição popular dos herboristas, tornando conhecidos o uso da arnica, calêndula, camomila e beladona. A terapia através dos produtos químicos dispunha de poucos fundamentos experimentais, de modo que os médicos prescreviam generosamente sais de arsênio, mercúrio e antimônio a seus pacientes, o que acabou resultando no aparecimento de efeitos colaterais.

Hahnemann, no entanto, não se contentava com essas terapias. Insatisfeito com a medicina de sua época, fechou o consultório que tinha em Liepzig para dedicar-se por completo à tradução de obras científicas. Foi dessa maneira, ao traduzir uma obra inglesa, que o médico se deparou com um texto pouco claro sobre o modo de ação da casca de quina no impaludismo (malária). Para compreender melhor sua ação, ele próprio resolveu testar a eficácia da quina, tomando-a em doses crescentes até o aparecimento de efeitos tóxicos. A experiência acabou por surpreender o médico, já que ele foi capaz de reconhecer, em sua própria intoxicação, os sintomas da malária. Com o intuito de assegurar-se de que não se tratava de um erro ou coincidência, ele realizou a mesma experiência diversas vezes em si mesmo e em voluntários, e acabou por convencer-se de que a quina podia provocar um tipo de intoxicação semelhante à curada por ele na malária.

Verdade nos fatos e não nas ideias

Na obra que inaugura os princípios da homeopatia, Hahnemann constata as propriedades farmacológicas de diversas substâncias medicamentosas usadas em sua época, abrindo espaço para que fosse possível, assim, elaborar o que chamou de Princípio da Similitude ou Princípio da Semelhança. Em sua publicação ele fez a seguinte enunciação: “Uma substância que produz no indivíduo sadio um conjunto de sintomas é capaz de curar os doentes que apresentam a mesma associação de sintomas”. Após conferir se a lógica da semelhança funcionava com tóxicos tais quais sais de arsênico, chumbo, mercúrio e plantas como a beladona e a cicuta, o médico decidiu então criar um nome para sua mais nova criação: a homeopatia, que significa em grego “semelhante à doença”.

Mesmo podendo causar surpresa em médicos de formação moderna, Hahnemann defendia que o princípio da semelhança não deveria ser negado “em função de sua estranheza”, já que esse método não seria desprovido de uma atitude científica, por basear-se em experimentações que comprovariam sua validade. Aos defensores da formação moderna, cabe apenas reafirmar o que por Claude Bernard já foi dito: “A verdade está nos fatos, não nas ideias”.

Os outros três pilares

Falar sobre homeopatia e não mencionar seus outros três princípios fundamentais seria semelhante a cometer um erro médico. Brincadeiras à parte, este trio é responsável por completar o princípio da similitude. É importante citar que esses pilares só sustentariam uma teoria tão revolucionária quanto esta para a época se ela se baseasse em teses irrefutáveis e de indiscutível comprovação.

A partir disso, Hahnemann, devido a sua alta capacidade de observação, análise e objetividade, apoiou-se nos conceitos de experimentação em homem são e sensíveldoses mínimas e remédio único para elaborar mais explicações plausíveis sobre a nova ciência.

Experimentação em homem são e sensível

O conceito da experimentação foi necessário para que Hahnemann chegasse ao principal fundamento da homeopatia: a Lei da Semelhança. Para comprová-la, o médico experimentou em si e em seus familiares o uso de diversos medicamentos e o efeito que os mesmos causavam no corpo. Posteriormente, ele estabeleceu um grupo de colaboradores para seu experimento, os quais teriam que ser pessoas gozando de boa saúde, sem doenças crônicas, de ambos os sexos, utilizando uma substância de cada vez e com regime de vida razoavelmente controlado.

A experimentação em uma pessoa sadia é necessária para que se obtenham apenas os sintomas produzidos pelo medicamento, e não uma mistura com os sintomas de qualquer doença pré-existente. Resumidamente, a experimentação é realizada pela administração de uma determinada substância a um grupo de indivíduos (os experimentadores), considerados saudáveis após serem examinados clínica e laboratorialmente, e que não têm conhecimento da substância que estão experimentando. Em cada experimentação, os sintomas físicos, mentais, emocionais, as sensações e alterações no modo de ser e estar, de reagir e interagir com o meio que vão surgindo nos experimentadores vão sendo cuidadosamente anotados e, posteriormente, classificados e analisados, dando origem ao que é chamado de patogenesia (sintomas provocados pelo uso de medicamentos homeopáticos em indivíduos sadios e sensíveis).

O medicamento homeopático e as doses mínimas

Imagem: David.Sch

Assim como dissemos no início, Hahnemann, baseado no que havia lido sobre intoxicações e envenenamentos, costumava fazer suas experimentações com substâncias venenosas e tóxicas, tornando-se necessária, após um tempo, a diluição dos medicamentos, para que os mesmos não apresentassem apenas seus efeitos tóxicos e sim seus poderes curativos. A partir disso, o médico passou a observar um aumento no poder medicamentoso de algumas substâncias, mesmo aquelas consideradas inócuas do ponto de vista toxicológico, esmo que o teste fosse feito com doses muito pequenas.

Hahnemann decidiu então empreender uma nova forma de despertar o poder medicamentoso destas substâncias, diluindo-as e agitando-as vigorosamente. Por meio desse método, ele observou que quanto menor a quantidade da substância, e quanto mais agitada ela fosse, maior seria seu potencial de energia curativa, cravando assim o conceito das doses mínimas.

Atualmente, o conceito de Hahnemann sobre a dose mínima não foi extinto, mas de certa forma redefinido, já que se utiliza uma composição de elementos para produzir cada medicamento homeopático. Por isso o medicamento só pode ser receitado após uma consulta médica específica — na qual o profissional faz diversas perguntas sobre a vida do paciente, não necessariamente envolvendo as queixas que o mesmo lhe fez, e que o motivaram a estar ali no primeiro momento. Dessa forma, é correto dizer que o medicamento é único para aquela pessoa, aquele quadro e para aquele momento, sendo necessário ser manipulado por um profissional farmacêutico habilitado.

O remédio homeopático pode ser feito a partir de plantas, animais ou minerais, de uma forma muito diluída, não obtendo assim a capacidade de fazer mal ao doente. Além de diluído ele é energizado, ou sucussionado (agitado), em termos médicos. Não entendeu nada? Pois bem: dilui-se uma parte do remédio em 99 partes de álcool e se “bate” (sucussiona) 100 vezes. Este é o 1 CH (Centesimal Hahnemanniana). Pega-se uma parte desta solução e dilui-se em mais 99 partes de álcool, bate-se mais 100 vezes e este é o 2 CH. Assim vai, até chegar o CH, que é a medida ideal, chamada potência do remédio. Há outras formas de potências de medicamentos homeopáticos (LM, D, FC, por exemplo), mas todas são preparadas sob o conceito de diluição (ou trituração em lactose) e sucussão.

Você sabe o que é mito e verdade sobre a homeopatia?

Embora a homeopatia seja inserida como forma de disciplina optativa no ensino de algumas faculdades de medicina brasileiras, e aplicada terapeuticamente há mais de dois séculos, é muito comum o aparecimento de dúvidas e a disseminação de preconceitos em torno dessa prática. Para verificar possíveis mitos e verdades, conversamos com o doutor Sergio Eiji Furuta, atual presidente da Associação Paulista de Homeopatia, ciência reconhecida como especialidade médica pelo Conselho Federal de Medicina desde 1980.

“Os remédios da alopatia não podem ser usados junto com os homeopáticos.”

MITO. Os remédios alopáticos podem, sim, ser usados junto com os homeopáticos, no entanto alguns deles podem interferir no tratamento. Segundo o doutor Furuta, ainda não é possível dizer em que grau, já que os médicos não dispõem de trabalhos científicos comprovatórios sobre isso.

“Não é permitido tomar vacina durante o tratamento homeopático.”

MITO. As vacinas são sempre recomendadas e o próprio tratamento homeopático parte do princípio de atuar no organismo preparando-o para melhor reagir. “No Brasil a Homeopatia é uma das 53 especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina e os médicos devem seguir as determinações do Ministério da Saúde. Nós, da Associação Médica Homeopática Brasileira e Associação Paulista de Homeopatia (APH), orientamos os médicos a seguirem as normas do Ministério da Saúde e as restrições são as mesmas”, completa o doutor Furuta.

“A homeopatia pode ser considerada uma medicina preventiva.”

VERDADE. A homeopatia pode ser considerada uma medicina preventiva e curativa, porque seus pacientes adoecem menos mental e fisicamente. O medicamento homeopático é responsável por atuar profundamente, melhorando o funcionamento de vários órgãos e sistemas que possam estar sem vitalidade ou com aumento exagerado de sua função. Ao analisar cada indivíduo em todos os seus aspectos, a homeopatia é capaz de atuar em prol do equilíbrio de sua energia.

“A homeopatia é eficiente para tratar as doenças crônicas.”

VERDADE. Ela trata principalmente de doenças crônicas, já que seus medicamentos agem aumentando a resistência do organismo. De acordo com o doutor Furuta, a maior parte dos pacientes procura a homeopatia para tratar doenças crônicas, como asma, sinusite, amidalite, reumatismo, TPM, cólicas menstruais, constipações, intestino preso, insônia e outras.

“A homeopatia atua em qualquer caso.”

MITO. Assim como toda terapêutica médica, existem restrições e limitações. A medicina não consegue curar todas as doenças, por exemplo, muitos tipos de câncer.

“Os remédios homeopáticos são menos agressivos para o organismo que os alopáticos.”

VERDADE. Mas depende das indicações e do conhecimento do profissional habilitado. Os remédios homeopáticos são preparados com um altíssimo grau de diluição, a ponto de não ser sempre possível comprovar quantitativamente seus componentes.

“É possível viver de forma saudável utilizando apenas medicamentos homeopáticos..

MITO. Segundo o presidente da APH, o termo “apenas remédios homeopáticos” é muito abrangente, e dessa forma é quase impossível que no mundo e época atuais uma pessoa se trate única e exclusivamente com homeopatia. Ele ainda complementa: “Muitos casos podem necessitar da medicina convencional e por isso no Brasil, felizmente, os médicos homeopatas podem decidir os limites da Homeopatia sem prejudicar o doente”.

E os alopatas, o que acham disso tudo?

Apesar de ter muitos apoiadores dentro da classe médica, a homeopatia é um assunto que ainda gera muita discussão e polêmica na área da saúde. Beny Spira, professor livre-docente pela USP, com doutorado em genética molecular pela Universidade de Tel Aviv, denomina essa área de atuação da medicina como uma fake science (pseudociência). Segundo ele, as principais premissas nas quais a homeopatia se baseia são falsas, já que supostamente carecem de evidências científicas. Em recente publicação no Jornal da USP, o professor ainda chega a equiparar o tratamento homeopático a um tratamento com placebo. “A divulgação da homeopatia contribui para a difusão de um conhecimento errado, arcaico e perigoso. A ciência baseia-se na busca pela verdade, não em opiniões. A ciência não é democrática. Se a maioria das pessoas decidir que a Terra é plana, isso não fará com que ela deixe de ser uma esfera imperfeita. A grande maioria dos estudos clínicos devidamente bem conduzidos revelou que o tratamento homeopático equivale ao tratamento com placebo, ou seja, não foi detectado nenhum efeito curativo significativo de qualquer composto homeopático a não ser aquele causado por autossugestão”, escreve ele na publicação.

No entanto, nem todos os alopatas são tão radicais quanto Spira no que diz respeito ao reconhecimento dos efeitos curativos da homeopatia. Segundo o doutor Mauro Capasso, radiologista formado pela Santa Casa, ela seria uma boa opção a longo prazo para o tratamento de doenças crônicas menos graves, assim como também relatou Furuta.

“Eu não acredito na homeopatia como única solução, porque o uso de antibióticos ainda se faz necessário para matar bactérias nocivas, e a quimioterapia e a radioterapia são necessárias para o tratamento do câncer, por exemplo. Para mim não tem outra maneira, já que nesses casos o corpo por si só não consegue combater essas doenças, e os medicamentos tradicionais se fazem indispensáveis.” — Dr. Mauro Capasso

De modo geral, a maioria dos médicos procura se manter neutro no assunto, relativizando o uso da homeopatia a situações específicas, sem que esta seja condenada.

Homeopatia? Só que não…

Imagem: 9dreamstudio

Muitas pessoas confundem a homeopatia com outras ciências pelo fato de elas também não utilizarem medicamentos que contenham compostos químicos para tratar as enfermidades. Algumas são bastante comuns:

Acupuntura

É um tratamento no qual se inserem agulhas especiais, ou até mesmo estímulos térmicos em pontos específicos do corpo do paciente, em busca de realinhar os meridianos ou canais de energia, que de acordo com a Medicina Tradicional Chinesa percorrem o corpo. É uma prática que visa a proporcionar uma união entre órgãos e vísceras, e as demais estruturas externas do corpo, como os músculos e a pele, buscando curá-lo como um todo, de seu interior para o exterior.

Antroposofia

Esse método pode ser considerado uma ampliação da medicina tradicional, que procura unir as partes física, emocional e espiritual do paciente no processo de cura. A antroposofia é uma prática exclusivamente médica, que se enriquece pelo trabalho conjunto e interdisciplinar com outros profissionais, como massagistas, terapeutas e psicólogos.

Fitoterapia

A fitoterapia, por mais que muitos acreditem que não, é uma forma alopática de tratamento. Alopática, mas natural, já que se utiliza de vegetais e ervas como cafeína, papoula, meimendro, entre outros, para o tratamento de doenças. Existem várias formas de extrair e ingerir esses componentes, seja por meio de chás, compressas, gargarejos, inalações ou até banhos.

Florais de Bach

Formados por 38 essências diferentes e mais um composto emergencial, os Florais de Bach, teorizados e criados pelo médico homeopata e patologista em saúde pública Edward Bach, tratam o doente e não a doença. As propriedades curativas das flores estimulam o potencial de autocura do indivíduo, trabalhando com as emoções negativas para uma mente sã e deixando um pouco de lado os sintomas clínicos.

Terapia Ortomolecular

A terapia ortomolecular, por mais que ainda não seja uma especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina, é norteada pelo princípio de que se devem diminuir os radicais livres (oxidantes) que o corpo produz naturalmente ao longo da vida. Esses oxidantes, em excesso, são responsáveis pelo envelhecimento celular e por inúmeras doenças. Essa técnica foi criada, em 1968, pelo químico norte-americano Linus Pauling.

Fonte:https://medium.com/@labdejo2018/homeopatia


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