HOMEOPATIA,MEDICINA ALTERNATIVA: ENTRE CONTRACULTURA,NOVA ERA E OFICIALIZAÇÃO(BRASIL,DÉCADA DE 1970) - RENATA PALANDRI SIGOLO
Homeopatia, medicina alternativa: entre contracultura, Nova Era e
oficialização (Brasil, década de 1970)
Homeopathy, alternative medicine: between
counterculture, the New Era, and formalization (Brazil, 1970s)
i Professora,
Departamento de História/Centro de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade
Federal de Santa Catarina. Florianópolis – SC – Brasil r.palandri@ufsc.br
O
artigo analisa como a homeopatia foi veiculada ao público leigo no Brasil da
década de 1970, período importante no processo de legitimação desse
conhecimento como especialidade médica, o que ocorre em 1980. As fontes
analisadas – compostas de artigos que circulavam no Jornal do Brasil e
de livros destinados ao público leigo – permitem distinguir diferentes
interlocutores que possuíam expectativas diversas diante da homeopatia,
revelando um universo heterogêneo de compreensões e utilizações dessa medicina.
Ao mesmo tempo, as fontes estabelecem um universo de representações envolvidas
na construção da homeopatia como medicina alternativa, em que é perceptível sua
relação com os movimentos de contracultura e Nova Era na formação de um
“público consumidor de homeopatia”.
Palavras-Chave: história da homeopatia;
medicinas alternativas; saúde; contracultura; Nova Era
The objective of this text is to analyze
how homeopathy was conveyed to the lay public in Brazil during the 1970s, an
important period in the process of legitimizing this practice as a medical
specialty, which occurred in 1980. The sources analyzed (composed of articles
that circulated in the Jornal do Brasil and books intended for the lay public)
allow the reader to distinguish different interlocutors with various
expectations of homeopathy, revealing a heterogeneous universe of
understandings and uses for this medical system. At the same time, the sources
establish a universe of representations present in the construction of
homeopathy as alternative medicine, which is noticeable in its relationship
with the counterculture movements and New Era in forming a “consuming public”
for homeopathy.
Key words: history of homeopathy; alternative
medicine; health; counterculture; New Era
Saúde, representações sociais e
homeopatia
A
trajetória da homeopatia no Brasil foi profundamente marcada por estratégias de
legitimação, que se transformaram de acordo com diferentes contextos. A análise
desses enredos possibilita identificar as representações construídas acerca
dessa medicina e permite entrever quais categorias e ideias sobre saúde e
doença estavam em disputa. Quando investigamos o início do século XX, por
exemplo, percebemos a luta da homeopatia institucional para se desvencilhar dos
elementos religiosos que pudessem estar presentes tanto em sua doutrina como em
sua prática. Esse movimento ocorre por meio da aliança com o positivismo e da
luta pela inserção da medicina homeopática nas universidades. Durante o
processo, foi importante a construção de representações sobre essa medicina
junto ao público leigo, o que ocorreu principalmente por intermédio do debate
entre homeopatas e médicos convencionais apresentado em jornais de grande
circulação no país na primeira década do século XX (Sigolo,
2012).
O
que vêm a ser representações sociais? Claudine Herzlich
(2005) desenvolve sua análise a respeito do conceito pautada na
ideia de que as concepções de saúde e doença formam um pensamento coletivo,
rico e coerente, baseado na experiência pessoal do corpo. Da partilha de
experiências nessa esfera nasce um “saber profano” sobre saúde e doença que,
apesar de conectado, é independente do discurso médico acerca dessas
categorias. Herzlich concebe as representações como construções dos sujeitos
sempre em relação com a sociedade, dando sentido a suas ações e agindo no
compartilhamento de suas concepções.
Em
relação ao universo dos cuidados em saúde, ela afirma: “as representações da
saúde e da doença devem ser consideradas, penso eu, como realidades sui generis, independentes
dos conhecimentos médicos mesmo se deles elas se alimentam, e ultrapassando
constantemente no plano do sentido e da orientação através da ação” (Herzlich,
2005, p.4). Assim, as representações sociais podem ser compreendidas
como um conjunto de valores, concepções e práticas que têm como funções
auxiliar o indivíduo a se orientar no ambiente social e assegurar a comunicação
entre os membros de uma comunidade. Proporcionam a compreensão da diversidade e
expressividade de todos os sistemas de conhecimento, possibilitando entender
“como os saberes se encontram e se comunicam em esferas públicas” (Jovchelovitch,
2011, p.26).
A
história da homeopatia no Brasil revela encontros e embates entre saberes de
cura. Ainda na Europa, onde foi construída pelo médico alemão Samuel Hahnemann,
essa medicina foi objeto de apropriações, reconstruções e alianças (Faure,
2002-2003). No Brasil de meados do século XIX, sua introdução foi
marcada por aproximações alternadas entre catolicismo, espiritismo e
positivismo, em um processo de intenso debate e, principalmente, embate com a
biomedicina, tendo como porta-vozes instituições importantes, como o Instituto
Hahnemanniano do Brasil (Sigolo,
2012).
De
forma específica, a análise da década de 1970 permite compreender como as
representações que envolvem a homeopatia foram construídas em um momento
crucial de sua busca por legitimação por meio do reconhecimento como
especialidade médica, que acaba por ocorrer em 1980. Madel Luz
(1996) apresenta esse momento como um período em que os
“generais da homeopatia”, em uma estratégia coorporativa e por intermédio dos
médicos Amaro Azevedo e Alberto Soares de Meirelles, representantes da
Federação Brasileira de Homeopatia e do Instituto Hahnemanniano, lançaram
esforços que, em um primeiro momento, revelaram-se infrutíferos. No âmbito
acadêmico, destaca-se a atuação do movimento estudantil das faculdades de
medicina em prol da defesa da homeopatia, com os Encontros Científicos dos
Estudantes de Medicina (Ecem) e o Encontro Nacional dos Estudantes Interessados
em Homeopatia (Eneih), ocorridos na década de 1970 (Luz,
1996, p.297).
Ainda
segundo Madel Luz
(1996), a década de 1970 foi um período considerado de recuperação
das atividades da homeopatia, após uma suposta lacuna iniciada em 1930. Porém,
não é possível sustentar essa hipótese se observarmos que outros autores
apontam ações frutíferas de instituições homeopáticas no Brasil durante esse
período. Um estudo sobre a presença da homeopatia na cidade de Santos relata a
fundação, em 1959, do Laboratório Almeida Prado pelos farmacêuticos Almeida
Prado e Rubens Gimenes, entre outras iniciativas em esferas distintas, como a
assistência oferecida por instituições espíritas (Justo,
Gomes, 2007, p.1164). Outra pesquisa revela a intensa movimentação da
Liga Homeopática do Rio Grande do Sul nos anos 1940 e 1950. A liga foi, aliás,
responsável pela edição e circulação do Boletim
de Homeopatia, posteriormente denominado Revista de Homeopatia,
entre 1941 e 1963. A autora, Beatriz Weber
(2011), analisa várias iniciativas de organização da homeopatia em
diversas partes do país entre os anos 1920 e 1950.
A
valorização da homeopatia na década de 1970 teria sido alimentada pelo
surgimento de outras “vontades” de conceber o mundo e viver nele, desenvolvidas
pelos movimentos de contracultura, que também ocorreram nos EUA e na Europa.
Esse é o contexto de análise deste texto, que pretende entender as
representações acerca da homeopatia direcionadas e construídas a partir de
algumas obras e de um jornal destinados ao público não médico ou leigo. Por
meio da compreensão dessas fontes, pretende-se entender algumas das estratégias
de inserção da medicina homeopática e como esta conseguiu a adesão de um
público específico de usuários.
Medicinas alternativas no
contexto da contracultura
Para
se ter uma visão ampla da construção da homeopatia no período proposto (década
de 1970), é preciso compreender a ascensão das “medicinas alternativas” em um
movimento mais global que não envolve apenas as práticas de saúde. Diferentes
autores (Luz,
1996, p.273; Queiroz,
2003, p.117; Barros,
2000, p.69) apontam esse contexto como importante para a reafirmação
da homeopatia e é preciso compreender suas especificidades em território
brasileiro, relacionando-as com o amplo cenário mundial. Para tanto,
adentraremos brevemente o universo da contracultura brasileira, para depois
pensar como o Brasil participou das buscas e ofertas de práticas de saúde no
período.
A
memória do movimento de contracultura no Brasil sofreu um apagamento diante da
historiografia preocupada em reconstruir a resistência estudantil à ditadura
civil-militar brasileira nos anos de 1964 a 1985, a ponto de entender esse
movimento como menos importante e até mesmo como tendo sido causado pelo
regime. Segundo Antônio Risério, “ao contrário do que se chegou a proclamar, a
contracultura se expandiu no Brasil não ‘por causa’, mas ‘apesar’ da ditadura”
(Risério
et al., 2005, p.26).
As
manifestações contraculturais foram rotuladas como “desbunde”, em um contexto
que entendia a necessidade de se contrapor à ditadura militar e via somente na
luta da esquerda tradicional essa possibilidade. O termo, forjado pela
guerrilha brasileira, é originário da palavra “bunda”, que possui, na maior
parte das vezes, uma conotação negativa e relacionada à homossexualidade. O
conceito era utilizado para descrever um comportamento irreverente, conectado a
ideias de “alegre recusa, lúdico prazer, aventura pessoal, liberdade” (Dunn,
2016, p.38-39).
O
comportamento contracultural ou “desbunde” era considerado incompatível com a
mobilização de esquerda: os grupos armados expulsavam seus componentes
condenados por comportamentos “desbundados”, como fumar maconha ou mesmo
frequentar grupos que eram rotulados como tais. A resistência ao regime
militar, para os grupos da esquerda tradicional, não poderia admitir atitudes
consideradas “alienadas”, sendo que a expressão da subjetividade deveria ser
reprimida (Almeida,
Weiss, 1998).
O
governo militar também olhava com mais do que reprovação para os grupos que
manifestavam comportamentos relacionados à contracultura. Dunn
(2016) aponta como o Departamento de Ordem Política e Social
(Dops) aconselhava o monitoramento das atividades dos “andarilhos” considerados
contrários à “segurança nacional”. O movimento hippie era visto como uma ameaça
ao modelo de trabalhador e de família que o regime militar se esforçava para
construir, em um contexto em que as mudanças comportamentais se faziam sentir
em escala global, pois não podemos ver a contracultura brasileira como uma
manifestação isolada.
A
palavra “contracultura” foi forjada por Theodore Roszak, atraído com especial
atenção para os movimentos hippies e
da nova esquerda estadunidense que, desacreditados com a esquerda tradicional e
recusando a tecnocracia capitalista, se lançavam a formas alternativas de
manifestação. Perplexo diante das manifestações que presenciava, ponderava: “na
verdade, não parece exagero chamar de ‘contracultura’ aquele fenômeno que
estamos vendo surgir entre os jovens. Ou seja, uma cultura tão radicalmente
dissociada dos pressupostos básicos de nossa sociedade que muitas pessoas nem
sequer a consideram uma cultura, e sim uma invasão bárbara de aspecto
alarmante” (Roszak,
1972, p.54).
Caracterizar
a contracultura a partir das especificidades locais, relacionando-as com o
movimento global, é uma tarefa bastante vasta, mas uma particularidade
fundamental do movimento é chave para compreendê-lo: a reabilitação da
subjetividade como forma de compreensão e atuação do ser humano no mundo. Um
intelectual que serviu de inspiração ao comportamento foi Herbert Marcuse, que
teceu crítica contundente à sociedade tecnocrata do pós-guerra.
Marcuse
denunciava a “sociedade afluente”, em que a fantasia e a imaginação foram
suplantadas pela razão: “a razão prevalece; torna-se desagradável mas útil e
correta; a fantasia permanece agradável, mas torna-se inútil, inverídica – um
mero jogo, divagação” (Marcuse,
2010, p.133). Porém, é a imaginação que pode restituir o “indivíduo
total”, aquele que está unido com os outros seres humanos e com uma experiência
de passado na qual essa cisão não existia. A fantasia é apresentada como
contendo uma função crítica indispensável, pois recusa os limites impostos pela
sociedade tecnocrata baseada no princípio de desempenho.
Nos
movimentos de contracultura, é a “imaginação que está no poder”, como afirmava
um slogan do
Maio de 68 francês. O movimento hippie,
nascido na Califórnia, expressava essa busca pela fantasia por meio da
psicodelia, seja como expressão artística (música, artes plásticas), no consumo
de psicoativos, na realização de manifestações ou de hapennings, na forma de
se vestir ou de se organizar em comunidades alternativas (Monneyron,
Xiberras, 2008, p.187). No contexto brasileiro, retomando Christopher
Dunn, esse movimento não ocorre na década de 1960 como nos EUA e na Europa, mas
na década de 1970, logo após o Tropicalismo e em consonância com o surgimento
de comunidades alternativas rurais e urbanas (Carvalho,
2008).
Um
dos desdobramentos dos movimentos de contracultura emerge na década de 1980 com
a fluida denominação de Nova Era, conceito de autoria desconhecida que sugere
um momento de profundas alterações nas relações entre os seres humanos e entre
estes e o meio ambiente. No Brasil, a denominação “Nova Era” é mais corrente a
partir da década de 1980, mas já está presente na década anterior (D’Andrea,
2000). O título advém de um marco astrológico: o suposto término da
Era de Peixes e início da Era de Aquário, marcado por uma série de
transformações na sociedade.
A
Era de Aquário inauguraria um período em que opostos entrariam em equilíbrio,
como o objetivo e o subjetivo, a ciência e a religião, e na qual a construção
das referências e concepções de mundo se tornava muito individualizada, com
vistas à construção de um “self perfeito”.
A ideia de mudança, não se verificando em um nível macro, foi transferida para
o micro, ou do sujeito, que via a revolução possível em mudanças de atitude
individuais. Apesar de afetar diretamente as escolhas religiosas, o movimento
Nova Era influenciou várias esferas da vida humana, incluída a saúde (D’Andrea,
2000, p.101).
Contracultura, Nova Era e
medicinas alternativas
Qual
a relação entre os movimentos contraculturais e da Nova Era e a emergência das
medicinas alternativas? Em primeiro lugar, é preciso definir o que é medicina
alternativa. Citando Sharma, João Tadeu de Andrade
(2006, p.28), diferencia os termos “alternativo”, “complementar” e
“integrativo” e explica que o conceito de medicina alternativa pode estar
relacionado a um posicionamento político-ideológico derivado de uma visão de
mundo oposta à “sociedade moderna” e às concepções e métodos da biomedicina.
Esse momento de questionamento, denominado também “crise” (Luz,
2000), é possível devido ao contexto mundial e nacional já
explicitado, que levanta uma série de considerações globais que tem como alvo o
universo das práticas de cura institucionalizadas.
Nesse
momento de “crise”, a biomedicina foi criticada por excluir a subjetividade do
“ser que sofre” para privilegiar uma pretensa objetividade e neutralidade
daquele que observa a doença, ou seja, do médico, reforçando a supremacia da
tecnologia empregada para investigar a doença, e não o doente. Muitas vezes, a
intervenção médica se tornava iatrogenia, e seus métodos provocavam a
deterioração do relacionamento entre médico e “paciente”. Essas características
surgem desde ao menos fins do século XVIII (Queiroz,
2003), e se aprofundam após a Segunda Guerra Mundial, em um momento
em que a biomedicina construía em torno de si a ideia de que era vitoriosa
diante da “batalha” contra as doenças.
O
cenário mundial das instituições de saúde também favoreceu a emergência das
medicinas alternativas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) defendeu, a partir
de 1976, a utilização de “práticas terapêuticas alternativas e não
institucionalizadas pelo sistema de saúde” (Queiroz,
2003, p.21), posição renovada na Conferência de Alma Ata, em 1978.
Simultaneamente, a OMS propôs um conceito de saúde que via o ser humano de
forma mais integrada e defendeu uma medicina menos hospitalocêntrica. Também
foi no âmbito dessa marcante conferência que a OMS estabeleceu os cuidados
primários à saúde como essenciais e de acesso universal aos indivíduos, fazendo
parte de seu primeiro contato com o sistema nacional de saúde (Lavras,
2011, p.869).
As
políticas institucionais defensoras das medicinas alternativas, que pretendiam
reduzir o custo e dar acesso à saúde, não necessariamente coincidiram com as
escolhas e os objetivos em nível microscópico, em uma sociedade em que os indivíduos
faziam amálgamas de acordo com suas concepções de saúde e doença. No caso
daqueles que se identificavam com os ideais da contracultura e do movimento
Nova Era, essas decisões eram tomadas levando em consideração a comunicação por
meio de redes (Magnani,
1999) formadas de maneira muitas vezes efêmera, mas que
proporcionavam a sociabilidade dos “alternativos”.
Outra
característica presente nos movimentos de contracultura e Nova Era, peculiar da
alta modernidade inaugurada pelo período pós-Segunda Guerra Mundial, é a
reflexividade (Giddens,
2002).1 A
reflexividade é um atributo do período em que as certezas institucionais são
substituídas por escolhas pessoais e fragmentadas, espelhadas pelo “projeto
reflexivo do Eu”: as pessoas já não possuem um padrão fechado de comportamento,
mas constroem um estilo de vida baseado em escolhas, na dialética entre local e
global e no cálculo dos riscos representados pelas decisões.
A
“reflexividade do Eu”, ou seja, as escolhas realizadas pelos indivíduos na
construção de suas identidades, afeta o corpo e os processos psíquicos, sendo
que seu controle e construção passam a ser um dos objetivos do indivíduo. O
desenvolvimento, higidez e bem-estar do corpo tornam-se uma questão de escolhas
e de adoção de estilos de vida. Também no âmbito das possibilidades, as
decisões tomadas por meio de cálculo de riscos são realizadas por intermédio da
confiança. Por exemplo, quando se escolhe um ou outro medicamento, o indivíduo
o faz com base na confiança construída em relação à biomedicina ou à indústria
farmacêutica, uma vez que ele acredita que a ação descrita de tal medicamento
realmente ocorre em seu organismo.
As
escolhas de estilo de vida suscitam questionamentos que são respondidos pelos
“novos movimentos sociais” (Giddens,
2002, p.17), com a “política-vida”, prática envolvida nas questões
existenciais descartadas pelas instituições. Isto se relaciona à construção de
um “novo sentido de identidade” próprio da alta modernidade, em que as relações
pessoais apresentam mais oportunidades de autoexpressão, de forma diferenciada
daquelas das sociedades tradicionais. Por serem mais arriscadas e perigosas,
essas relações também geram mais ansiedade, que também provocam a mobilização
de respostas que proporcionem a adaptabilidade do indivíduo. Desse modo, as
escolhas fragmentadas e subjetivas podem ser vistas como um movimento de
resistência a uma ordem dominante.
O papel da imprensa na
divulgação da homeopatia
No
“circuito alternativo” – espaços de disseminação e circulação de ideias e produtos
da contracultura e da Nova Era – onde essas escolhas eram feitas, a imprensa
exerceu papel importante como veículo construtor e divulgador de representações
sobre saúde e doença e, mais especificamente nesta análise, a respeito da
homeopatia. Vários periódicos, editoras e livrarias surgiram na década de 1970
com o objetivo de publicar e divulgar temas relacionados ao mundo alternativo e
que atendiam à demanda de conhecimento e informação por parte de um público que
fazia suas escolhas dentro desse universo (Magnani,
2000, p.22-23).
As
obras elencadas para a investigação das representações sobre a homeopatia foram
publicadas por diferentes editoras brasileiras, em São Paulo e no Rio de
Janeiro. O livro mais antigo selecionado para esta análise, de autoria do
doutor Heinrich Weyke, intitula-se A
cura pelas plantas, pela água e pela homeopatia e tem 139
páginas. Apesar de lançado em 1965, circulou também durante o período estudado.
Foi publicado por Edições e Publicações Brasil, que na contracapa anunciava
outros títulos passíveis de serem adquiridos pelo leitor, todos apresentados
como “ciências ocultas”. Entre eles figuravam o Livro dos sonhos,
o Livro do feiticeiro e
o lançamento Pontos
cantados, riscados e oferendas.
Uma
obra homônima, de autoria do professor Armando Seabra, foi publicada pelas
Edições O Livreiro, de São Paulo. O livro contém 74 páginas e, apesar da
ausência de data, é possível saber que só pode ter sido publicado antes de
1984, uma vez que o Jornal
do Commercio anunciou a falência da editora em 15 de novembro
daquele ano. Sobre O Livreiro foi possível saber que a editora era conhecida
pela publicação de quadrinhos entre 1960 e 19702 e
que também publicou uma coleção de livros sobre esportes, que podiam ser
adquiridos por correspondência (Sensacional...,
2 set. 1977).
Ao
contrário dos outros autores das obras escolhidas cujas informações mais
precisas não foram encontradas, o autor do terceiro título, o Livro de bolso da medicina natural,
Márcio Bontempo é médico e possui diversas obras sobre medicina “alternativa e
natural”, publicadas dos anos 1970 até hoje. Ele mantém um blog de informações
e notícias a respeito do tema. O livro foi lançado em 1979 com 176 páginas e
teve várias reedições em anos posteriores pela Editora Ground. A editora
iniciou suas atividades em 1973, com a publicação de um livro sobre do-in, e foi responsável
pela divulgação de muitas obras que abordam o “modo de vida alternativo”,
existindo até os dias de hoje.
A
última obra selecionada, o Guia
de medicina alternativa, escrita por Donald Law, tem sua versão
original em inglês datada de 1974, mas foi lançada em 1981. Apesar de a data
não corresponder ao período estudado, o livro foi incluído na análise por
oferecer um indicativo de apresentação da homeopatia que, ao que parece, foi
recorrente na década de 1980 e traduz a ideia de “medicina alternativa”. O
livro tem 176 páginas e traz uma lista de sessenta possibilidades de
diagnósticos e terapêuticas passíveis de ser classificados como “medicina
alternativa” e as recomendações de utilização. Não possui uma “lista de
doenças” como os demais e foi publicado pela Editora Brasiliense, ainda presente
no mercado editorial brasileiro com um universo temático bastante eclético.
Todos
os livros analisados, com exceção do Guia
de medicina alternativa, possuem explicações introdutórias sobre as
medicinas que pretendem abordar e uma seção posterior, dedicada aos
tratamentos. Estes são classificados por ordem alfabética em uma pequena
enciclopédia, apresentando as doenças e seus sintomas ou definições, seguidas
pelas terapêuticas aconselhadas, que abarcam a diversidade de medicinas
selecionadas pelos autores.
O Jornal do Brasil, por
sua vez, era publicado no Rio de Janeiro, local considerado o epicentro da
contracultura brasileira (Dunn,
2016, p.47). Criado em 1891, o jornal fez oposição moderada ao
governo do presidente Marechal Deodoro da Fonseca (1889-1891). Na década de
1950, participou do processo de modernização da imprensa brasileira, revelando
a tendência de comunicar com objetividade, com a intenção de aparentar
neutralidade. Já no início da década de 1970, passa por mudanças tanto no
estilo gráfico quanto na forma de organizar a equipe de redação (Lima,
2006, p.21-31).
A
transformação do Jornal
do Brasil em fins da década de 1960 e início da década de 1970
deu origem ao suplemento Caderno B, criado com o objetivo de ser um espaço
destinado às matérias de cultura e entretenimento. Por participar do contexto
de mudança da capital do país para Brasília, o Caderno B pode representar a
vontade de construir a imagem do Rio de Janeiro como capital cosmopolita (Lima,
2006, p.49).
Sabemos
um pouco sobre o perfil de leitores do Jornal
do Brasil por meio de pesquisa feita pelo próprio periódico em
abril de 1972: a maior parte pertencia às classes “média” e “abastada” e estava
na faixa entre 30 e 50 anos de idade, com ligeira vantagem para o público
masculino. Em sua pesquisa, o jornal não esclareceu quais foram os critérios
adotados para definir as classes sociais (Lima,
2006, p.133).
O Jornal do Brasil e
a circulação de representações sobre a homeopatia
Antes
de analisarmos as obras mais específicas destinadas a um público que buscava
tratar e ser tratado pela homeopatia, é importante lançarmos um olhar sobre sua
construção nas páginas do Jornal
do Brasil. Durante o período, o periódico publicou pouco mais de
quarenta matérias sobre homeopatia, sem contar os anúncios de médicos
homeopatas constantes nos classificados.
Entre
1970 e 1974, foram constantes as notas anunciando cursos gratuitos para
médicos, dentistas, veterinários, farmacêuticos e estudantes ofertados pela
Federação Brasileira de Homeopatia, criada na década de 1930 no Rio de Janeiro
como dissidência do Instituto Hahnemanniano do Brasil e voltada para a
realização de eventos e cursos de especialização, entre outras atividades (Luz,
1996, p.57). Esses cursos revelam a preocupação em formar homeopatas
entre os profissionais que já possuíam alguma habilitação acadêmica na área de
saúde, cuidado que demonstra a vontade de construir uma identidade entre seus
profissionais, a homeopatia e a ciência.
Essa
primeira representação evocada – a da medicina homeopática como ciência – é
recorrente nas páginas do Jornal
do Brasil em diferentes circunstâncias. Nesse período, três
situações que revelam essa preocupação são recorrentes nas matérias do
periódico: o debate sobre a oficialização da homeopatia, o anúncio de
congressos homeopáticos e o diálogo gerado durante o surto de meningite entre
julho e agosto de 1974.
O
primeiro artigo que anunciava a luta dos homeopatas por reconhecimento ocupava
metade de uma página do jornal, estampando uma foto da farmácia Teixeira de
Novaes, com seu mobiliário e frascos centenários. O texto anunciava que uma
oficialização prévia já havia ocorrido em 1918 e que chegara o momento de o
Conselho Nacional de Educação consolidar a homeopatia como especialidade,
diante da existência de 10% de médicos dentro do quadro profissional no Brasil
que se declaravam homeopatas. Além dessas justificativas, apresentavam
resultados de uma pesquisa feita em 1964, segundo a qual 73% dos entrevistados
eram favoráveis à homeopatia (Homeopatia...,
14 set. 1970.)
Ao
esclarecer a homeopatia aos leitores, o periódico evocava o princípio dos
semelhantes, assim explicado: “O mal se cura utilizando-se, no seu combate, o
próprio mal. Isto é, domina-se a doença empregando-se um remédio que seja tão
mau quanto ela” (Homeopatia...,
14 set. 1970). É interessante notar que a descrição usa a concepção
de doença da biomedicina para esclarecer o princípio do similibus, empregando
uma metáfora bélica que define a doença como um elemento “mau” que precisa ser
combatido, como uma entidade independente do organismo do doente.
Na
sequência do mesmo artigo, revela-se a preocupação em representar as relações
entre homeopatas e médicos convencionais como harmoniosas, gerando uma estreita
ligação da homeopatia com a academia: “Os homeopatas acham que não se devem
criar guerras nos dois campos, pois a medicina é uma só. Muitos se utilizam
ainda dos dois métodos, isto é, a medicina homeopática e a alopática”.
Complementando a ideia, Amaro Azevedo, médico homeopata entrevistado pelo
jornal, esclarecia que, apesar de ocorrer atrito entre homeopatas e médicos
convencionais, “isto não é válido, pois tudo se baseia na bioquímica, que tanto
nós homeopatas como os outros médicos somos obrigados a conhecer e a estudar” (Homeopatia...,
14 set. 1970). A base comum do curso médico seria a responsável por
garantir cientificidade à homeopatia e por diluir quaisquer diferenças entre as
escolas médicas.
Dois
anos depois, outro artigo construía a urgência no desenvolvimento da homeopatia
no país, a partir de seu título: “250 seria o número de homeopatas a atender 30
milhões de brasileiros” (Homeopatia...,
6 nov. 1972). Reclamando da falta de divulgação advinda da carência
de apoio governamental, o médico entrevistado, Alfredo Di Vernieri, ressalta a
história dessa medicina no Rio de Janeiro, local onde houve maior possibilidade
de expansão. Ele lembra que a difusão da homeopatia seria mais eficaz com a
realização de cursos de extensão universitários, principalmente destinados a
médicos, e a ampliação dos fóruns de reunião científica, como os congressos.
Reconstruindo
o discurso homeopático do início do século XX, declara:
a
homeopatia é uma terapêutica positiva porque nós nos baseamos numa lei natural
de cura, que é a ‘lei dos semelhantes’. Todas as vezes que o médico faz o seu
trabalho obedecendo esta lei, sempre tem bons resultados. Não é uma medicina
especial, a diferença da ciência comum está na terapêutica, já que o estudo da
patologia do doente é a mesma. Nós empregamos remédios que foram experimentados
nas pessoas sãs e nelas provocaram sintomas que achamos no doente. O princípio
da aplicação de uma vacina, que possui anticorpos, é essencial na homeopatia (Homeopatia...,
6 nov. 1972).
Di
Vernieri retoma um discurso enunciado no início do século XX para aproximar a
homeopatia do positivismo, estabelecendo o universo das leis como guia e
apagando as diferenças com a biomedicina ao reduzi-las a uma “questão
terapêutica”. O estatuto de igualdade de pertencimento a uma mesma ciência era
reclamado, lançando-se mão da vacina como exemplo de terapêutica de princípio
homeopático adotada pela biomedicina.
Nesse
mesmo mês de novembro de 1972, as esperanças em ser uma “especialidade normal”
eram reavivadas pelo Jornal
do Brasil (Homeopatia...,
23 nov. 1972). O artigo anunciava que entre as resoluções do 22º
Congresso Brasileiro de Homeopatia ocorrido no Rio de Janeiro figurava a
solicitação, à Associação Médica Brasileira, de que a homeopatia fosse
considerada uma das 41 especialidades médicas existentes, além da revogação de
não obrigatoriedade da cadeira de homeopatia no curso da Escola de Medicina e
Cirurgia do Rio de Janeiro. Outra expectativa do mesmo congresso era a
assinatura de Mário Machado de Lemos, ministro da Saúde do Brasil entre 1972 e
1974, aprovando, na farmacopeia brasileira, uma relação de medicamentos
homeopáticos (Homeopatia...,
18 nov. 1972). A espera por reconhecimento como “especialidade
farmacológica e terapêutica” vai acompanhar a homeopatia até 1979, quando o 47º
Congresso Médico Homeopata Pan-americano é instalado com esse objetivo (Homeopatas...,
16 out. 1979).
Já
no ano seguinte, os médicos convencionais anunciavam a presença de homeopatas
em seu congresso, a fim de “dar uma oportunidade para que os médicos homeopatas
– até então marginalizados na Associação Médica Brasileira (AMB) – apresentem
as provas que prometeram de que a homeopatia tem um fundo científico e que seus
estudos e teorias foram completamente atualizados” (Associação...,
8 out. 1973). Apesar de construir uma certa concórdia entre os pares
com o convite, a AMB admitia segregar seus colegas e lançava um desafio que
talvez os homeopatas não pudessem cumprir, uma vez que a avaliação de suas
bases seria feita pela perspectiva da biomedicina.
A
demanda por inserção no contexto da ciência também se dava por meio da
conquista de espaço nos locais de atendimento dos serviços alopáticos. Em 1977,
três médicos homeopatas e estudantes de medicina enviaram um pedido ao
Ministério da Previdência e Assistência Social para que fosse feita a inclusão
da homeopatia como especialidade nos serviços médicos. Ao mesmo tempo, outra
moção fora encaminhada ao Ministério da Educação e Cultura para que a
disciplina de homeopatia fosse incluída como matéria obrigatória dos cursos
médicos (Previdência...,
9 out. 1977).
O
artigo retomava o debate relativo à homeopatia como especialidade, explicando
por que a demanda havia sido recusada pelo Ministério da Educação e Cultura,
que via como desnecessário transformar em especialidade uma simples “opção de
receitar”. Já o médico homeopata entrevistado, Alfredo Eugenio Vervloet,
ressaltava o fato de a homeopatia “não ser um tratamento que qualquer um pode
receitar, mas um estudo, um aprofundamento, uma especialidade” (Previdência...,
9 out. 1977).
As
posições diversas do que seria a homeopatia revelam quão complicada era sua
aproximação com a biomedicina, tendo em vista sua legitimação. Apagar as
diferenças entre ambas, para incluir a medicina de Hahnemann no universo
científico reconhecido, poderia significar diminuir a importância de sua
doutrina para reduzi-la a um método terapêutico. Isso ainda era reforçado pelas
críticas à “agressividade da farmacoterapia acadêmica” e porque a homeopatia
“já comprovou ser também uma terapia sem riscos” (Previdência...,
9 out. 1977). Essas imagens valorativas construídas pelos homeopatas
também limitavam a visão do público da homeopatia como terapêutica em vez de
sistema médico.
O
terceiro principal momento em que os homeopatas têm a oportunidade de construir
suas representações junto ao público leigo residiu em um contexto de crise de
saúde, como em outros existentes na história da homeopatia brasileira. Nessa
década, a epidemia de meningite de 1974 em São Paulo ofereceu o campo de
disputa para ambos os sistemas médicos, e é perceptível a posição tomada por
eles. A primeira reportagem sobre o assunto em que a homeopatia se pronuncia
tratava da tentativa de fabricação de vacinas contra a meningite no país.
Em
conjunto com os depoimentos do Instituto Vital Brasil sobre as pesquisas
relativas à vacina e como seria produzida, havia o anúncio de que “em São
Paulo, um grupo de homeopatas planeja produzir o nosódio meningococcinum,
resultado da dinamização do líquido cérebro-espinhal contaminado, retirado de
pacientes mortos pela doença”. Apesar da descrição da “vacina homeopática” não
parecer convidativa, aparentemente os medicamentos o eram. A matéria, que ocupa
o centro da página, apresenta duas fotos: uma que retrata filas em farmácias na
capital paulista, e a segunda que mostra três frascos de homeopatia Almeida
Prado, contendo os específicos indicados para prevenir a meningite. Na
continuidade da mesma reportagem, o depoimento do secretário da Saúde
desacreditava a homeopatia ao dizer respeitar seus usuários mas, ao mesmo
tempo, acreditar que o uso de “medicamentos não consagrados pela medicina é uma
exploração do povo sem orientação” (Brasil...,
27 jul. 1974).
Na
contramão da opinião do secretário, segundo o Jornal do Brasil, a Associação Paulista de
Medicina, criada em 1930 e que teve, entre 1973 e 1977, como presidente o
doutor Henrique Arouche de Toledo, dava liberdade aos médicos homeopatas para
recomendar o medicamento “preventivo e curativo” da meningite, o Meningococcinum. A
reportagem, vizinha de outras que ocupam a página em sua totalidade e anunciam
números alarmantes e providências contra a doença, traz detalhes sobre a
fabricação do medicamento, em um modelo que se aproxima da descrição repleta de
termos técnicos apresentada pelo Instituto Vital Brasil para a fabricação da
vacina.
Assim
como a biomedicina, a homeopatia não se via privada do “avanço tecnológico” que
proporcionava a fabricação de uma vacina ou medicamento, e a essa representação
ainda se acrescentava a segurança de ausência de iatrogenia: “um século e meio
de experiência em homeopatia, com resultados animadores com medicamentos contra
outras doenças infecciosas nos dão boas perspectivas nessa nova tentativa, que
não trará prejuízo nenhum ao organismo humano, pois não provoca efeitos
colaterais”, garantia a médica Helena Minin (Homeopatas...,
3 ago. 1974).
Em
um mês de cobertura da epidemia de meningite em São Paulo, o Jornal do Brasil publicou
sete reportagens que mostravam a presença da homeopatia no cenário da doença,
principalmente por meio do grande aumento na procura de seus medicamentos ditos
“preventivos” e na dúvida sobre a eficácia dos mesmos manifestada por médicos
entrevistados. Sob a pressão da Secretaria de Saúde de São Paulo, a Associação
Paulista de Medicina precisou se pronunciar a respeito da possível falta de
registro dos medicamentos homeopáticos, afirmando que eram regulares uma vez
que constavam da Farmacopeia Homeopática assinada havia dois anos pelo ministro
da Saúde (Meningite...,
26 ago. 1974).
Em
meio a essas várias notícias, destaca-se a carta de um leitor do Rio de Janeiro
que escreve ao periódico reclamando do preço dos medicamentos homeopáticos e,
ao fazê-lo, apresenta as diferenças entre biomedicina e homeopatia:
a
primeira, oficial, dispõe de laboratórios, centros de pesquisa, aperfeiçoado
arsenal terapêutico etc. É uma medicina cada vez mais cara, que só estaria ao
alcance dos ricos, não fosse a socialização que sofre gradativamente. Seu
exercício é fiscalizado pelo Governo, inclusive no que se refere ao preço dos
medicamentos. A segunda, a homeopatia, com suas ‘aguinhas’, devia atender as
classes menos favorecidas, pois terapêutica sintomática não exige métodos
propedêuticos caros e seus preços de consulta e de remédios deviam ser bem mais
acessíveis aos desvalidos da fortuna. Infelizmente, isso já era (Ferreira,
3 ago. 1974).
A
carta de Álvaro Ferreira apresenta mais uma das representações que foram
construídas sobre a homeopatia: a de medicina barata destinada aos pobres. Esse
adjetivo, em geral valorizado pelos homeopatas entrevistados em outras
reportagens, é tomado aqui como deficiência diante da “outra medicina” que, com
seu aparato, seria mais eficaz e serviria a uma elite. Duas referências podem
estar presentes nessa representação: uma relacionada ao papel da homeopatia
junto às classes pobres entre o final do século XIX e o início do XX, e outra
relativa aos discursos emitidos pela OMS acerca da importância das medicinas de
baixo custo em sociedades menos favorecidas economicamente. Aqui, com sua
crítica, o leitor parece sinalizar uma possível mudança na clientela da medicina
homeopática.
Homeopatia: natural,
contracultural
Em
paralelo ao discurso construído pelos homeopatas que, sobretudo com o suporte
das instituições da categoria, como o Instituto Hahnemanniano, conectava a
homeopatia à ciência por meio da proximidade com a academia e a biomedicina,
outros tipos de representações foram construídas no mesmo jornal, em espaços
específicos. Seções do Jornal
do Brasil como Turismo, Comportamento e principalmente o
suplemento Caderno B foram palcos privilegiados da elaboração de representações
da homeopatia como medicina natural, alternativa e relacionada aos movimentos e
grupos herdeiros da contracultura brasileira.
A
“medicina das pequenas doses” é apresentada por esses espaços do Jornal do Brasil como
fazendo parte ou dialogando com outras práticas também classificadas como
“alternativas”. Um grupo comunitário na Bahia, que geria um saveiro, um motel e
um restaurante, relatava a ampliação deste último: “até setembro, um
restaurante macrobiótico deverá estar funcionando no segundo andar da casa,
local onde hoje são feitas as sessões de leitura e estudo de numerologia,
telepatia, mentalização e homeopatia, porque, para Beto Bandeira, ‘o estudo do
espiritual é importante, já que a vida é composta de 60% do astral e o restante
da matéria que existe por aí’” (Empresa...,
23 ago. 1973).
A
combinação entre homeopatia e outras práticas alternativas também é apresentada
em palestras que ocorriam em diversos espaços e eram anunciadas no Jornal do Brasil, como
um ciclo de palestras sobre macrobiótica, acupuntura, ervas medicinais,
homeopatia e ioga ofertado por uma loja do Rio de Janeiro (Cursos...,
26 maio 1979). Assim, a homeopatia pertenceria a um circuito que
englobaria outras atitudes e crenças que se distinguiriam de outras
culturalmente mais difundidas, formando grupos alternativos herdeiros da
contracultura.
Outra
característica, que também é explorada pelas representações mais institucionais
da homeopatia, é a de medicina natural. O “retorno à natureza” é uma das
características dos movimentos de contracultura e Nova Era, imersos no
movimento ecológico que emergiu nas décadas de 1960 e 1970 (Queiroz,
2003). Em uma reportagem sobre agrobiologia, por exemplo, a
homeopatia é tomada como metáfora. O artigo conta como a agrobiologia surgiu
nos anos 1960 como forma de se contrapor à “Revolução Verde” que promoveu o uso
de agrotóxicos na agricultura, e com a proposta de retornar a formas anteriores
de produzir alimentos: “ou seja, trabalhar a terra por meios naturais, com
preparados feitos à base de plantas, numa espécie de homeopatia voltada à
terra” (Agrobiologia...,
23 abr. 1975).
No
mesmo Caderno B, ocupando uma página inteira com fotos, Célia Maria Ladeira
constrói uma reportagem que tem claramente como base dados fornecidos pela
Associação Paulista de Medicina, em comemoração ao Dia da Homeopatia. O artigo
traz a referência numérica daqueles escritos no ano anterior, que afirmavam a
correspondência de 250 homeopatas para 30 milhões de pacientes, mas, por ser um
texto de maior fôlego, apresenta outros elementos que contextualizavam a
medicina homeopática historicamente, afirmando, entre suas características, ser
uma “medicina da natureza”. Para afirmar novamente seu distanciamento de
práticas não científicas, a autora chama a atenção para o fato de que a
homeopatia se afasta do curandeirismo e do espiritismo, ganhando adeptos em
várias partes do mundo, citando a França como exemplo (Ladeira,
21 nov. 1973).
Por
ocasião do Dia do Homeopata, o Caderno B traz representações da homeopatia como
medicina natural, construídas a partir do ponto de vista médico. Dois
homeopatas – Vera Lúcia Acar e Cláudio Araújo – foram entrevistados pelo Jornal do Brasil, que
também noticia uma palestra proferida por eles no Shopping Cassino Atlântico em
5 de agosto de 1979, intitulada “A homeopatia, uma medicina alternativa?”.
Segundo
a reportagem, Vera liderava com Cláudio um grupo de estudos em homeopatia. Ela
descreve sua trajetória de descoberta da macrobiótica, do naturismo, do
vegetarianismo, da acupuntura, iridologia, até chegar à homeopatia. Tecendo
críticas aos homeopatas pluralistas e à biomedicina, seu companheiro denunciava
o crescente interesse da indústria farmacêutica em se expandir à custa da
promoção da doença. Cláudio finalizou a entrevista afirmando: “Hoje o mundo enfrenta
toda essa depredação ecológica, mas ao mesmo tempo pinta um aumento pela
homeopatia. A mesma terra que produziu Hitler nos deu também um cientista como
Hahnemann” (Bahiana,
21 out. 1979). Em comparação com o anterior, esse texto traz
elementos que se distanciam um pouco do discurso institucional da homeopatia.
Outra
forma de apresentar a homeopatia se construiu por meio de sua utilização por
pessoas que não possuíam uma formação acadêmica na área da saúde. Uma
reportagem ilustrada, de página inteira, abordava a exposição do artista
plástico Roberto Magalhães na Petite Galerie, em Paris, descrevendo-o como
“desenhista, pintor, místico, estudioso do Orientalismo”. Questionado pelo
repórter sobre seu interesse por esoterismo e “medicinas paralelas”, entre elas
a homeopatia, o artista respondeu que tinha uma grande biblioteca especializada
no assunto, mas que não empregava seu conhecimento acerca de medicinas
alternativas em outras pessoas:
eu
não sou médico, portanto não tenho o direito de receitar. Os estudos que faço,
são em mim. Existem remédios que a ciência oficial despreza, mas que curam
muito mais eficazmente do que a própria medicina oficial. Porque eu acho que a
arte tem que ser científica como a ciência deve ser filosófica. Tem que haver
uma coerência entre uma coisa e a outra. E o que a gente vê no mundo é
exatamente o contrário. A ciência não tem filosofia, então ela destrói, mata,
envenena (Rangel,
6 ago. 1975).
Essa
reportagem revela como as pessoas sem formação acadêmica na área da saúde se
interessavam e utilizavam as medicinas alternativas como referência para um
autotratamento. Também apresenta um discurso que demonstra a pretensão de
alcançar uma união entre a objetividade representada pela ciência e a
subjetividade expressa pela filosofia e pela arte. Se o movimento de
contracultura buscava se afastar do universo tecnológico que era expressão da
ciência, o movimento Nova Era inaugura uma nova relação com o conhecimento
científico, no desejo de fusão entre objetivo e subjetivo expresso nas tentativas
de criar uma “nova ciência” que incluísse outros parâmetros (D’Andrea,
2000).
As
representações da homeopatia construídas por leigos não descartam, mas, antes
de tudo, não aderem a uma ciência já estabelecida, como é o caso dos discursos
emitidos pelas instituições homeopáticas. Acreditam ser possível a introdução
de outras referências e conceitos que foram rejeitados pela ciência médica
acadêmica mas que, para eles, são imprescindíveis para a construção do
conhecimento e fazem parte da sua visão de mundo.
Uma
segunda reportagem com Roberto Magalhães é feita novamente por Maria Lúcia
Rangel para o Caderno B do Jornal
do Brasil em 1979. Ao apresentar o artista, a repórter
ressalta as características esotéricas de seu trabalho, já apresentadas anos
antes, e valoriza a narrativa sobre seu envolvimento com medicinas
alternativas: “Roberto estudou minuciosamente a homeopatia. Possui ainda uma
cristaleira repleta de vidrinhos contendo pós, pílulas, tinturas, além de um
arquivo com cada doença ou dor catalogada e seu correspondente homeopático” (Rangel,
14 ago. 1979).
Mesmo
não tendo formação acadêmica na área médica, Magalhães não se privava de
conhecer e aplicar a homeopatia. Em um espaço muito mais discreto e contido do
jornal, um leitor também expunha seus conhecimentos sobre a medicina
homeopática, oferecendo seus serviços, caso não tivessem acesso a um médico
homeopata, aos pais de um garoto que tinha muito próxima a ameaça de ver
amputadas as partes afetadas por uma doença (Nair,
15 set. 1977). Raghavan Pillal Kesavan Nair, o autor da carta, emite
mais tarde outra nota no Jornal
do Brasil, pois havia recebido muitas ligações telefônicas de
outros leitores e se sentia na obrigação de esclarecer que não era médico (Nair,
20 set. 1977).
Certamente,
Roberto Magalhães e Raghavan Nair não estavam sozinhos na busca por
conhecimento de práticas alternativas de saúde que pudessem promover o
autocuidado. O exercício dessas medicinas por pessoas não diplomadas era
estimulado por obras que se destinavam a um amplo público e que, provavelmente,
faziam parte de um grupo “alternativo” não institucionalizado, dentro das
características apontadas por Giddens
(2002) a respeito da reflexividade da modernidade. Os livros
sobre medicinas alternativas faziam parte desse universo amplo de escolhas, que
vemos também presente no Jornal
do Brasil.
A
primeira característica das obras selecionadas destinadas ao público leigo que
tratam da homeopatia é, paradoxalmente, o reforço do papel do médico como
agente de cura. O livro A
cura pelas plantas, pela água e pela homeopatia traz, em sua
introdução, a intenção de “auxiliar as famílias brasileiras no conhecimento dos
medicamentos homeopáticos, na utilização de ervas e plantas medicinais e também
da água”, alertando, ao mesmo tempo, que “os casos de doenças agravados pela
demora em se usar o remédio devem ser levados imediatamente ao conhecimento dos
médicos” (Seabra,
s.d.).
No
livro homônimo de autoria de Heinrich Weyke
(1965), o mesmo teor de objetivo e advertência também é encontrado:
“embora muitos tenham a opinião de que qualquer pessoa pode orientar seu
próprio tratamento homeopático em qualquer caso, julgamos mais prudente
procurar um médico nos casos mais difíceis, isto é, nos de doenças graves”.
Essa advertência inicial é complementada por outra mais enfática, afirmando
que, sempre que possível, o doente deve procurar um médico, tornando o conselho
ainda mais ambíguo.
As
afirmativas demonstram o cuidado dos autores em não se comprometer junto à
corporação médica, mas, ao mesmo tempo, revelam a potencialidade de o material
ser usado por leigos, destinando ao médico apenas os casos mais complicados.
Ambas as obras reforçam o papel do não médico em promover a cura, seja de si ou
de seus próximos, diferentemente da maioria dos discursos encontrados no Jornal do Brasil.
As
quatro obras elencadas para esta análise partilham de muitas representações
construídas no jornal carioca, como as ideias de uma medicina barata e suave.
Porém, o objetivo dessas obras, ao contrário das notícias e reportagens
do Jornal do Brasil,
não é apenas abordar ou divulgar a homeopatia para um “público paciente”, mas
formar agentes que empreguem os medicamentos homeopáticos em conjunto com
outros recursos “naturais”.
Entre
as representações já encontradas, a de medicina natural, “suave”, está presente
em todas as obras, de forma bastante enfática, sendo o ponto principal de
atratividade exercido pela homeopatia junto à sua clientela: “os remédios
homeopáticos agem suavemente sobre o organismo, de modo que o medicamento não
ataca violentamente nenhum órgão ou função; assim, o doente entra em
convalescença imediatamente” (Weyke,
1965). O conceito de suavidade estaria relacionado às características
de diluição e dinamização, que confeririam ao medicamento a capacidade de
promover a “reestruturação dos processos orgânicos normais” e não causar
“atividades tóxicas e colaterais” (Bontempo,
1979, p.36-37).
No
livro de Bontempo, o conceito de medicina natural se encontra no título e serve
para congregar várias outras práticas em saúde, cujo uso conjunto é aconselhado
como “ramos terapêuticos”: macrobiótica, acupuntura, shiatsu, do-in, homeopatia,
fitoterapia e medicina oculta poderiam e deveriam ser utilizadas em conjunto,
como recursos complementares (Bontempo,
1979, p.10).
A
noção de medicina natural, no livro de Bontempo, foi construída a partir da
ideia de leis, já evocada no Jornal
do Brasil em relação à homeopatia: “a questão do nome fica
resolvida se considerarmos como ‘Medicina Natural’ a uma medicina que tem esse
nome não por que usa recursos e técnicas apenas naturais ou porque utiliza
medicamentos de origem apenas natural, mas porque estuda e respeita ‘leis
naturais’, identificando-as e empregando-as no Homem” (Bontempo,
1979, p.6). Esse conceito aponta para a afirmação de que essas
medicinas – entre as quais a homeopatia está incluída – pertenceriam a uma
ciência renovada. Essa ideia é compartilhada pelas outras obras, seja por meio
da evocação da lei dos semelhantes, elaborada por Hahnemann, ou afirmando que a
“homeopatia constitui atualmente um dos mais adiantados ramos da ciência médica
e farmacêutica cada vez mais aceita pelo público devido aos seus excelentes
resultados” (Seabra, s.d.).
Em
relação ao aspecto conciliatório da homeopatia com a biomedicina, presente em
seu processo de construção como um método científico de cura, os livros
destinados ao público leigo diferem muito das representações construídas
no Jornal do Brasil.
Enquanto os dois livros mais antigos tratam da homeopatia como uma
especialidade que não é empregada por um médico alheio a essa medicina, pois
“nenhum médico lança mão dos processos de cura que não se enquadram dentro da
medicina de sua especialidade” (Weyke,
1965, p.10), os dois mais recentes constroem um abismo
irreconciliável entre ambas.
O Livro de bolso da medicina natural promove
essa diferença com base na crítica à estrutura econômica vigente, responsável,
segundo seu autor, pelo condicionamento do cientista “em detrimento da vida
humana e da Natureza”. Bontempo
(1979, p.5) afirma que “o cientista hoje não pode abandonar a
abordagem racional e analítica e aventurar-se pelo profundo universo da
intuição e da dialética, sob pena de ser considerado um autêntico herege”. O
desprezo por outras medicinas viria dessa exclusão de outras possibilidades de
pensamento, sustentadas pela estrutura econômica e o academicismo, que
constituiriam o alicerce da biomedicina e seriam irreconciliáveis com outras
formas de cura compreensíveis por meio de outros prismas. Porém, Bontempo
inclui a tecnologia médica como recurso passível de ser utilizado, como o uso
de raios x, antibióticos ou cirurgias em casos extremos, não descartando
totalmente a biomedicina, mas também não aderindo aos preceitos alopáticos.
Já
Donald Law,3 autor
da obra mais recente de origem estrangeira, apesar de rememorar a lei dos
semelhantes, é mais radical na promoção da cisão entre homeopatia e
biomedicina. Ele descreve a homeopatia como “um ramo da arte de curar que fez
as pazes com a escola médica ortodoxa, e devido a isto quase sucumbiu. Os
primeiros homeopatas eram todos alopatas e a necessidade emocional de unir-se
ao mundo médico era forte demais para eles. Em anos recentes surgiu grande
número de homeopatas bem treinados e eficientes, que nada têm que ver com os
alopatas. Parece que a homeopatia sobreviverá unicamente através destes
praticantes solitários” (Law,
1981, p.107).
Embora
trate de um contexto que não é brasileiro, Law revela uma posição definida na
relação entre homeopatia e biomedicina que distancia definitivamente a primeira
da segunda. Chega a afirmar que a homeopatia “pouco tem para aprender com a
prática médica oficial” (Law, 1981, p.109) e demonstra isso quando define a
doutrina homeopática e seu embasamento na noção de força vital, sem a qual se
tornaria impossível compreender suas peculiaridades.
Enquanto
Weyke e Seabra sequer referenciam a força vital em seus textos de apresentação
da homeopatia, Bontempo
(1979, p.34) a denomina “energia vital” e a atribui à corrente
vitalista à qual pertenceria a homeopatia. Já para Law, esse é um ponto de não
reconciliação da medicina homeopática, tanto que seu livro, denominado Guia da medicina alternativa,
estaria mais próximo de uma definição da homeopatia como medicina alternativa.
Analisando
a trajetória da homeopatia, Madel Luz
(1996, p.287-89) procura definir quem era sua clientela na década de
1970. Ela aponta para sua diversidade, localizando a camada popular como consumidora
da homeopatia em centros de umbanda e centros espíritas, e as classes médias
empobrecidas, compostas por estudantes e professores universitários,
funcionários públicos, técnicos, e as classes médias altas, como intelectuais,
artistas, estudantes, comerciantes, tecnocratas aderindo “ideologicamente” à
homeopatia. As classes médias empobrecidas, incapacitadas de pagar pelos
serviços médicos (inclusive homeopatas), teriam sido responsáveis por construir
a homeopatia como medicina alternativa, e as classes médias altas teriam
incluído a medicina de Hahnemann no conjunto de produtos da Nova Era. Por fim,
haveria uma classe rica consumidora da homeopatia, que incluiria empresários,
artistas, profissionais liberais.
Embora
seja plausível que o público do Jornal
do Brasil e de seu Caderno B ou de livros classificados como
“esotéricos” ou “naturalistas” tenha sido composto por uma categoria de pessoas
pertencentes a um círculo mais intelectualizado da sociedade brasileira, não é
possível traçar uma classificação precisa desse coletivo. Retomando
Marcos Queiroz
(2003, p.127) em seu estudo sobre a inserção da homeopatia,
acupuntura e fitoterapia no estado de São Paulo, uma “clivagem de classe” não
atende à categorização da clientela das medicinas alternativas.
Os
adeptos da homeopatia na década de 1970 parecem partilhar das ideias que
fomentaram os movimentos de contracultura e Nova Era, mas são diferentes e
ecléticos entre si, possuindo pontos de convergência e divergência. Vale a pena
ressaltar que ideais da contracultura e da Nova Era se transformaram em
produtos de consumo que foram incorporados à sociedade capitalista, incluindo-se
aí aqueles destinados a manter ou recuperar a saúde.
À
medida que avançamos na década de 1970, ao mesmo tempo que nos aproximamos da
oficialização da homeopatia como especialidade da biomedicina, parece crescer,
tanto nos discursos veiculados pelo jornal quanto aqueles presentes nos livros,
sua representação como uma medicina alternativa. O caráter alternativo não se
situa apenas na terapêutica homeopática, que poderia ser uma opção econômica
mais viável: tal conceito colocaria em valor dimensões subjetivas do ser humano
e se distanciaria de explicações materialistas que davam suporte às
representações apoiadas pelas instituições homeopáticas, importantes para sua
entrada no universo institucional e legalizado da biomedicina. Para esses
usuários da homeopatia, que compartilhavam de concepções do universo
contracultural, escolhê-la como alternativa parece refletir a busca por
caminhos diferentes que não excluíssem as dimensões subjetivas e não materiais
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NOTAS
1 A partir da década de 1990, o sociólogo britânico Anthony
Giddens concentra seus estudos sobre as sociedades ocidentais a partir da
década de 1960, concebendo-as não como diferentes da sociedade moderna, mas em
uma modernidade que se aprofunda, radicaliza-se. Nesse contexto, a
radicalização da modernidade se traduz pelas experiências cotidianas dos
indivíduos, em especial por meio de suas relações consigo e com os próximos,
construindo suas identidades (Nizet,
2007).
2 Disponível em: <http://www.guiadosquadrinhos.com/gibis-da-editora/o-livreiro/386>.
Acesso em: 22 mar. 2018.
3 Cabe ressaltar que, durante as décadas de 1970 e 1980,
vários foram os autores estrangeiros que escreveram a respeito de alimentação e
medicina alternativas traduzidos no Brasil, indicando forte influência de
outros países, principalmente EUA, na formação de conceitos sobre medicinas
alternativas em nosso país. Essas considerações fazem parte do projeto de
pesquisa “Livros para uma nova consciência”: as medicinas alternativas e
marginais e a editora Ground, desenvolvido no Departamento de História da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Recebido:
26 de Abril de 2018; Aceito: 3 de Agosto de 2018
História, Ciências, Saúde-Manguinhos
versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758
Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.26 no.4 Rio de
Janeiro out./dez. 2019 Epub 28-Nov-2019
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Homeopatia, contracultura e Nova Era no Brasil, anos 1970
Janeiro/2020
Quem consumia homeopatia no Brasil nos anos 1970, e em que contextos? No artigo Homeopatia, medicina alternativa: entre contracultura, Nova Era e oficialização (Brasil, década de 1970), Renata Palandri Sigolo, professora de História da Universidade Federal de Santa Catarina, faz uma análise sobre a divulgação e a clientela da homeopatia em meio aos movimentos de contracultura e Nova Era que surgiam no país naquela década. O período foi importante no processo de legitimação da homeopatia como especialidade médica, o que ocorre em 1980.
As fontes analisadas – artigos no Jornal do Brasil e livros destinados ao público leigo – revelam um universo heterogêneo de compreensões e utilizações da homeopatia. A autora cita o trabalho da socióloga Madel Luz, que aponta como consumidoras desde as classes populares, frequentadoras de centros de umbanda e centros espíritas, até as classes mais altas, representadas por intelectuais, artistas, estudantes, comerciantes e tecnocratas, que aderem “ideologicamente” à homeopatia. Segundo Renata, as classes médias empobrecidas, incapacitadas de pagar por serviços médicos, teriam construído a homeopatia como medicina alternativa, enquanto as classes médias altas a colocavam no conjunto de produtos da “Nova Era”.
“Os adeptos da homeopatia na década de 1970 parecem partilhar das ideias que fomentaram os movimentos de contracultura e Nova Era, mas são diferentes e ecléticos entre si, possuindo pontos de convergência e divergência. Vale a pena ressaltar que ideais da contracultura e da Nova Era se transformaram em produtos de consumo que foram incorporados à sociedade capitalista, incluindo-se aí aqueles destinados a manter ou recuperar a saúde”, afirma a autora.
O artigo integra o dossiê sobre homeopatia na América Latina e Espanha publicado na atual edição de HCS-Manguinhos (v. 26, n. 4, out./dez. 2019).
Leia em HCS-Manguinhos:
Homeopatia, medicina alternativa: entre contracultura, Nova Era e oficialização (Brasil, década de 1970), artigo de Renata Palandri Sigolo (v. 26, n. 4, out./dez. 2019)
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