Homeopatia e alopatia em disputa no início do século XX
Homeopathy and allopathy in dispute at the
beginning of the twentieth century
1Doutoranda,
Programa de Pós-graduação em História/Universidade Federal do Paraná.
marilanemac@ig.com.br
SIGOLO, Renata
Palandri. Nilo Cairo e o debate homeopático no início do século XX. 2012.
Editora UFPR, Curitiba: 254p.
Resultado
de pesquisa que deu origem inicialmente a uma tese de doutoramento em história
na Universidade Federal do Paraná, a obra Nilo Cairo e o debate homeopático no início do século
XX foi publicada pela Editora da Universidade Federal do
Paraná em 2012 como edição comemorativa dos cem anos daquela universidade.
A
autora, Renata Palandri Sigolo, concluiu seu doutorado em 1999. Desde 1996 é
professora do Departamento de História da Universidade Federal de Santa
Catarina. Sua trajetória acadêmica é marcada por estudos envolvendo temáticas
como história da saúde e do bem-estar, discurso médico, representações sociais
e medicinas alternativas.
Nilo
Cairo foi um médico paranaense, nascido em 12 de novembro de 1874 em Paranaguá.
É conhecido por ser um dos fundadores da Universidade do Paraná em 1912.
Participou ativamente do debate homeopático, tanto no Rio de Janeiro quanto em
Curitiba. Em 1903 elaborou sua tese inaugural na Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, Similia
similimum curantur, sua primeira obra sobre medicina homeopática. A
tese foi rejeitada pela academia, e Nilo Cairo escreveu O pé equino, em 1904, para
conclusão do curso de medicina. Exerceu intensa atividade profissional,
participando dos debates sobre as teorias médicas da época. Autor de vários
artigos na imprensa homeopática e alopática e também na imprensa leiga, foi
redator dos Anais do
Instituto Hahnemanniano do Brasil – principal instituição da homeopatia do
Brasil – e também da Revista
Homeopática do Paraná, que transformou em Revista Homeopática Brasileira.
A
publicação dessa obra possibilitou um olhar diferenciado sobre a criação da
Universidade do Paraná e sobre o doutor Nilo Cairo da Silva, cuja memória foi
construída em torno de sua participação na fundação da universidade. A autora
visou analisar sua atuação como médico homeopata e compreender o debate médico
nacional do início do século XX no qual esteve inserido. Para isso levou em
conta que o surgimento da Universidade do Paraná, em especial da Faculdade de
Medicina, fez parte de contexto mais amplo, que envolveu a luta da homeopatia
para ser reconhecida como ciência, bem como a busca de hegemonia da alopatia em
maio ao espaço acadêmico. A principal problemática do trabalho é compreender a
história da homeopatia como um processo de luta por sua legitimação enquanto
saber médico no início do século XX, pela atuação do médico homeopata.
A
delimitação temporal da pesquisa é entre 1903, ano em que Nilo Cairo elaborou
sua primeira tese para a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e 1914, ano
em que ele inseriu matérias relacionadas à homeopatia nos cursos de farmácia e
medicina da Faculdade de Medicina da recém-inaugurada Universidade do Paraná,
disciplinas previstas, mas não lecionadas. Dentro desse recorte temporal, a
autora fez uma verdadeira garimpagem em periódicos médicos alopatas e homeopatas,
periódicos leigos e outras publicações médicas como almanaques, em busca de
discursos publicados por Nilo Cairo e por seus interlocutores no contexto de
disputas simbólicas na qual homeopatas buscavam a legitimação da medicina
homeopática como verdadeiro saber médico científico e alopatas buscavam a
deslegitimação desse saber.
No
primeiro capítulo, “Hahnemann e Comte nos jardins de Hipócrates”, a autora
inicia a narrativa a partir da formatura de Nilo Cairo na Faculdade de Medicina
do Rio de Janeiro. Levanta como fator de sua distinção perante outros colegas
sua idade e a experiência de vida que já havia acumulado. Em 1904, ano de
término do curso de medicina, contava 30 anos de idade e já havia obtido o
título de bacharel em ciências físicas e matemáticas na Escola Militar. A
autora relata a reprovação da primeira tese de Nilo Cairo e a escrita da
segunda, que lhe permitiu a formatura.
A
partir daí descreve os princípios básicos da teoria hahnemanniana, segundo o
discurso dos médicos homeopatas do período, apresenta os conceitos de força
vital, saúde, doença e terapêutica e demonstra como os homeopatas buscavam sua
aproximação com a teoria positivista, visando atender às necessidades de
legitimação da homeopatia.
Para
a escrita desse capítulo as fontes utilizadas foram artigos publicados
nos Anais de Medicina
Homeopática, órgão veiculador de ideias do Instituto Hahnemanniano
do Brasil; na Revista
Homeopatica do Paraná, fundada por Nilo Cairo em 1906, sendo que em
1908 sua circulação foi ampliada, quando se transformou na Revista Homeopática Brasileira,
além de obras e teses de homeopatas, como a tese inaugural de Nilo Cairo.
No
capítulo segundo, “A homeopatia no ‘Século dos Micróbios’”, são apresentadas as
principais teorias defendidas pela medicina alopata no período: a dos miasmas,
a dos humores e a microbiologia. A autora trata dos conflitos do discurso
homeopático com o alopático a partir das publicações em periódicos. Dedica
parte do capítulo à análise do que considera estratégias discursivas no contexto
das discussões em torno da obrigatoriedade da vacinação antivariólica, quando a
maior parte dos homeopatas colocou-se a favor do método terapêutico da
vacinação, pois o princípio da vacinação estaria de acordo com a teoria
homeopática de que o semelhante se cura através do semelhante, mas contra sua
obrigatoriedade, pois os ideais positivistas, dos quais eram adeptos, defendiam
o princípio de liberdade.
Para
a redação desse capítulo a autora realizou pesquisas em periódicos de ambas as
vertentes médicas: Anais
de Medicina Homeopática, Revista
Homeopática do Paraná e Revista Homeopática Brasileira; Brasil-Médico (periódico
médico oficial do Rio de Janeiro), em que encontrou críticas de alopatas
endereçadas aos homeopatas; e Jornal
do Comércio,
do Rio de Janeiro, utilizado na abordagem sobre a vacinação obrigatória de
1904.
No
terceiro capítulo, “A conquista do público”, Sigolo se dedicou aos discursos
produzidos pelos homeopatas tendo como destinatário o público leigo. No
desejado processo de transformação da homeopatia em medicina científica era
importante obter o reconhecimento dos leigos, que proporcionaria a legitimação
necessária. A autora demonstrou algumas estratégias discursivas para a
conquista desse público, como, por exemplo, relatos de “conversões” de médicos
alopatas à homeopatia e propagandas de obras homeopáticas, como guias, manuais
e folhetos.
As
fontes documentais em que esses discursos podem ser encontrados são os
periódicos leigos, que atingiam o grande público. Foram consultados o Correio Paulistano, de
São Paulo; o Jornal
do Comércio,
do Rio de Janeiro e o Diário
da Tarde, de Curitiba, o último, local privilegiado dos discursos
de Nilo Cairo. Além desses, também foram utilizados os periódicos homeopáticos
citados, bem como as revistas alopáticas, como a Revista Médico-Cirúrgicado Brasil,
do Rio de Janeiro, e a Gazeta
Clínica, de São Paulo.
Por
fim, no quarto capítulo, intitulado “Ensinando a Similia similibus curantur”,
a autora buscou nos periódicos já citados, além do Diário da Tarde, nos
relatórios e estatutos da Universidade do Paraná e em algumas obras de Nilo
Cairo, acompanhar os debates em torno da legitimação de “porta-vozes” da
medicina homeopática. Demonstrou a vontade e o empenho de Nilo Cairo e de
alguns de seus companheiros em fundar uma pequena escola de medicina
homeopática à sombra do Instituto Hahnemanniano do Brasil, por acreditar que
mais do que os debates públicos com os alopatas, a formação de médicos em
escolas homeopatas traria o estatuto de ciência reivindicado pela homeopatia.
Esse foi, no entanto, um empreendimento frustrado pela falta de apoio político
e talvez o fator determinante para que Nilo Cairo retornasse ao Paraná em 1911,
quando se mudou do Rio de Janeiro para Curitiba e apresentou sua carta de
demissão ao Instituto Hahnemanniano do Brasil.
A
autora deu especial atenção ao período entre 1911 e 1914, quando se deram
debates em torno do ensino da teoria hahnemanniana e das exigências para
admissão nos quadros do Instituto Hahnemanniano do Brasil no contexto de
alteração de estatutos, em 1912, ocasião em que houve forte reação de Nilo
Cairo contra as alterações empreendidas, através das quais passaria a ser
permitida a admissão no Instituto de pessoas sem o título médico.
Neste
contexto se deu a fundação da Universidade Federal do Paraná, em 1912, e no ano
seguinte foi criado o curso de medicina da instituição. Um de seus
idealizadores e fundadores foi Nilo Cairo, que expressou a necessidade do
ensino da medicina homeopática na universidade recém-criada e incorporou a seu
currículo disciplinas da área homeopática, que, no entanto, logo foram
eliminadas.
A
obra traz uma pluralidade de contribuições importantes para a área de história.
Aos que se dedicam aos estudos de história da saúde, as disputas simbólicas e discursivas
envolvendo o saber médico e homeopático no início do século XX são abordadas de
maneira aprofundada. É também uma contribuição interessante aos que se voltam
para os estudos biográficos na história, pois toda a pesquisa empreendida pela
autora se dá em torno da busca de discursos envolvendo um personagem, Nilo
Cairo; seus discursos publicados em periódicos são o fio condutor da pesquisa,
e a partir deles a autora consegue traçar um panorama de suas redes de
relações, no que diz respeito aos debates entre defensores da medicina
homeopática e da alopática no início do século XX. Por fim, questões
metodológicas da pesquisa em periódicos podem ser apreendidas pelos que têm nos
jornais e revistas suas principais fontes de acesso ao conhecimento histórico.
História, Ciências, Saúde-Manguinhos
versão impressa ISSN 0104-5970versão On-line ISSN 1678-4758
Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.22 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2015
https://doi.org/10.1590/S0104-59702015000200011
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Fonte:https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702015000200021&lng=pt&nrm=iso
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