REFLEXÕES SOBRE O PARADIGMA HOLÍSTICO E HOLISMO E SAÚDE




Trata-se da reflexão sobre o paradigma holístico e sua constituição no âmbito
das ciências. Apresenta seus princípios fundamentais e discute sua inserção na saúde.
Holismo e saúde surge como desaf io para o novo mi lênio. Des taca os eventos
importantes que apontam o paradigma como novo rumo para a humanidade. Faz
uma
reflexão sobre suas bases, pressupostos e conceitos gerais.
UNITERMOS: Paradigma holístico, holismo e saúde.


SURGE UM NOVO PARADIGMA

O paradigma holístico emerge de uma crise da ciência, de uma crise do
paradigma cartesiano-newtoniano, que postula a racionalidade, a objetividade e a
quantificação como únicos meios de se chegar ao conhecimento. Esse paradigma
busca uma nova visão, que deverá ser responsável em dissolver toda espécie de
reducionismo. A holística força um novo debate no âmbito das diversas ciências e
promove novas construções e atitudes.
( ) planeta terra está doente, seus habitantes enfermos e seu habitat poluído e
contaminado.
ser/fazer ciência.
As ciências da saúde não podem estar alheias a este movimento nacional e
internacional. CAPRA (1986), propõe novos rumos para a saúde e aponta para o
paradigma holístico. Ao propor novos caminhos para a saúde, ressalta que há que
se rever
saúde. A transição para o novo modelo, alerta-nos o autor, há que ser efetuada lenta
e cuidadosamente, por causa do enorme poder simbólico da terapia
biomédica em nossa cultura ocidental.
*
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Docente do
Curso de Mestrado em Enfermagem da UFPA.
Urge uma nova atitude, novos habitantes e novos modelos deos atuais modelos de serviços, de instituições de ensino e de pesquisas emLivre Docente em Enfermagem pela UNIRIO, Professor Adjunto do Departamento de
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Rev.Esc.EnfUSP, v.30, n.2, p.286-90, ago. 1996.
O novo paradigma força uma v isão s is têmica e uma pos tura
transdisciplinar. O modelo sistêmico atende ao conceito de interdependência
das partes. Postula que tudo é interdependente, que os fenômenos apenas podem
ser compreendidos com a observação do contexto em que ocorre. Postula também
que a vida é relação.
A postura transdisciplinar é uma atitude de encontro entre ciência e
tradição, entre ciência e sabedoria. A transdisciplinaridade reata a ligação entre os
ramos da ciência com os caminhos vivos de espiritualidade. O novo profissional deverá
ser cientista e filósofo e o pesquisador deverá ser afoito, aberto e inclusivo,
basicamente distinto do tipo clássico. CREMA (1989).
O precursor do paradigma holístico foi Jan Smuts (1870-1950). Foi o criador do
termo Holísmo, quando divulgou seu livro em 1926. 0 filósofo sustentou a
existência de uma continuidade evolutiva entre matéria, vida e mente. Seu
conceito avança para uma visão sintética do universo e propõe a totalidade em
oposição ã fragmentação.
Em 1967, Arthur Koestler desenvolve o conceito de Hólon, levando em
consideração a dinâmica todo-e-partes. O antropólogo Teilhard de Chardin discute a
lei da complexidade-consciência, propondo novas uniões entre partes e
partículas rumo ao todo-um. 0 psicólogo Carl Rogers e a sua tendência realizadora
do ser humano também estão em busca de um novo rumo e de um diferente
modelo explicativo.
Todas as construções ocidentais, porém, no oriente, já são antigas e estão
descritas em diversos tratados tradicionais de várias das tendências orientais.
Percebe-se, assim, que urge uma aproximação com tais culturas, pois estas têm
bases holísticas e podem nos apontar novos rumos e novos mundos.
(CREMA,1989).
PRINCÍPIOS DO PARADIGMA HOLÍSTICO
Para o físico Brian Swimme são os seguintes os princípios do novo
paradigma:
entorno total, eles interagem no universo, se envolvem e se superpõem num
dinamismo de energia.
'lodos os elementos não possuem real identidade e existência fora do seu
interação no processo através de uma dimensão qualitativa da consciência.
Nossos conhecimentos são provenientes de uma participação e de uma
conhecer algo há que se saber sua origem e finalidade.
A análise e a síntese são fundamentais na compreensão do mundo. Para se
O universo é uma realidade auto-organizante, é total e inteligente.
Rev.Esc.Enf.USP,
Para Pierre Weil a abordagem holística é como ondas a procura do mar. O
autor aponta uma holologia, para tratar da dimensão do saber, e uma holopráxis,
destinada a dar conta da dimensão do ser.
v.30, n.2, p.286-90, ago. 1996. 287
O
paradigma holístico:
parapsicólogo Stanley Krippner aponta quatro princípios básicos do
atividade total do espírito humano.
A consciência ordinária compreende apenas uma parte pequena da
mundo que ela observa.
A mente humana estende-se no tempo e espaço, existindo em unidade com o
ordinariamente se assume; e
C) potencial de criatividade e intuição são mais vastos do que
precisa ser abrangida na comunidade or ientada pelo conhecimento.
(CREMA, 1989).
A transcendência é valiosa e importante na experiência humana e
HOLISMO E SAÚDE
A abordagem holística em saúde convoca uma aproximação entre saber
oficial e saber popular e os estudos transculturais terão enorme valia na
construção de novas formas integrativas de saúde. Os modelos místicos e diversas
culturas tradicionais precisam ser conhecidos, estudados e integrados ao modelo
holístico de saúde que se quer.
Ao longo do tempo os sistemas de saúde oscilaram entre modelos
reducionistas e modelos holísticos. Dois grandes modelos vêm influenciando o
pensar, fazer e viver saúde e doença. São os modelos xamanísticos e os modelos
seculares.
O modelo xamanístico tem suas origens nas culturas sem escrita. Neste
modelo, toda doença é conseqüência de alguma desarmonia em relação à ordem
cósmica. A principal preocupação do xamanismo está relacionada com o contexto
sócio-cultural em que a enfermidade ocorre.
Os modelos seculares tem sua origem nos sistemas médicos que foram
organizados a partir de um conjunto de técnicas transmitidas através de textos
escritos. Dois antigos sistemas médicos, um ocidental e um oriental, ilustram
tais modelos. O primeiro é o sistema ocidental Hipocrático, que emergiu de uma
tradição grega de cura. No âmago da medicina hipocrática as doenças são
consideradas fenômenos naturais, que podem cientificamente ser estudados e
influenciados por procedimentos terapêuticos e pela judiciosa conduta ou
disciplina de vida de cada indivíduo.
Em oposição ao pensamento grego, os chineses não estavam muito
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Rev.Esc.Enf. USP, v.30, n.2, p.286-90, ago. 1996.
interessados em relações causais, mas nos modelos sincrônicos de coisas e eventos.
Esse pensamento é do tipo correlativo e dinâmico. A concepção do corpo como
um sistema está bem próxima da atual abordagem holística.
A saúde para ser holística precisa ser estudada como um grande sistema,
como um fenômeno multidimensional, que envolve aspectos físicos, psicológicos,
sociais e culturais, todos interdependentes e não arrumados numa seqüência de
passos e medidas isoladas para atender cada uma das dimensões apontadas.
É preciso um novo conceito de saúde, que a considere como equilíbrio
dinâmico. Há que se rever o papel do paciente. Será preciso mostrar ao indivíduo
sua possibilidade de autocura. A manutenção da saúde deverá passar a estar em
lugar de destaque no novo modelo. A assistência deverá ser tanto individual
como social.
Os profissionais de saúde deverão redimensionar suas práticas e relações
com suas clientelas, devendo assumir a responsabilidade do equilíbrio de
indivíduos e sociedades. Surge deste redimensionamento um novo assistir. A
relação entre profissional de saúde e paciente será uma nova relação, cuja
principal finalidade será educar o paciente acerca da natureza e do significado
da enfermidade e das possibilidades de mudança do tipo de vida que o levaram à
doença. (CAPRA, 1986).
Holismo e saúde provocam uma aproximação com as abordagens nãoortodoxas
da saúde. Há que se encontrar as pontes necessárias para unir tais
saberes. As diversas terapias e saberes reconhecem a interdependência
fundamental das manifestações biológicas, físicas, mentais e emocionais do
organismo, sendo, portanto, coerentes. Na valorização do corpo como um sistema,
as abordagens bioenergéticas são bons exemplos.
CONSTRUINDO PONTES
A física do século XX revolucionou as bases da física clássica e trouxe uma
nova visão de mundo ou cosmovisão. Física e mística se unem neste novo momento
da humanidade. Ocidente e oriente se convergem em nome do holismo que se
quer, que é vivo, dinâmico, interligado e sistêmico. O saber científico se aproxima
do saber popular e abre-se espaço também para a sabedoria.
Em março de 1986, em Veneza, ocorreu um encontro de grandes cientistas
de diversas áreas do saber e todos debateram a ciência face aos confins do
conhecimento e os novos rumos para o terceiro milênio. Do evento surgiu a
Declaração de Veneza, que aponta o momento de crise da ciência e indica a
necessidade de reconhecermos a urgência de novos estudos e pesquisas, numa
perspectiva transdisciplinar em intercâmbio dinâmico entre as ciências exatas,
as ciências humanas, a arte e a tradição. O grande desafio é o compromisso
social dos pesquisadores e profissionais.
Rev.Esc.Enf. USP,
Em 1987, em Brasilia, de 26 a 29 de março, ocorreu o I Congresso Holístico
Internacional e I Congresso Holistico Brasileiro. Deste evento emerge a Carta de
Brasília, que reafirma a relação entre o homem e o universo, entre a parte e o
todo, e enfat izam as conseqüências concretas da descober ta da
complementaridade entre ciências e Tradições de sabedoria. (CREMA,1989).
Surgem no Brasil a Fundação Cidade da Paz e a Universidade Holistica
Internacional de Brasília, para atuarem na construção de pontes entre as diversas
ciências e as diversas experiências.
O movimento holístico é nacional e internacional. Visa ampliar todas as
comunicações entre cientistas, pesquisadores e demais interessados. A
Universidade Holística de Paris, fundada em 1980, pela psicóloga Monique-
Thoenig foi um marco decisivo no avanço do debate sobre o paradigma holístico.
Na busca de pontes, emerge a holoepistemologia, para sustentar uma
evolução do saber, compatível com a do ser. Nesta nova epistemologia, há espaço
para o subjetivo e o transpessoal. Pierre Weil resumiu um enunciado da moderna
psicologia transpessoal na seguinte fórmula: VR = f (EC), significando que a
Vivência da Realidade (VR) é função (f) do Estado de Consciência (EC) no qual a
pessoa se encontra no momento da observação. (CREMA,1989).
O paradigma holístico propõe um reencontro universal entre as ciências e
entre estas e as Tradições de sabedoria. Com base numa visão sistêmica e numa
atitude transdisciplinar, o novo paradigma começa a provocar reflexões nas
diversas áreas do saber científico. Não dá mais para conviver com concepções
rígidas e imutáveis. Com um pé no antigo, avançaremos para criar o novo,
redescobrindo e resgatando o conteúdo da caixa preta de pandora do universo, a
filosofia perene, e novamente acatando os ensinamentos do velho sábio cujo
arquétipo vive em cada um de nós. (SCHABBEL, 1994).
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TEIXEIRA. E. A reflection about the hol ist ic paradigm and hol ist ic and health.
Rev.Esc.Enf.USP,
v.30, n.2, p. 286-90, aug. 1996.
This art icle is a reflection about the hol istic paradigm and their constitut ion
in the science compass. Presents theirs fundamental principles and debates their
insertion in the heal th. Holistic and heal th appear how challenge for this new period.
Presents this imnportants events what indicate this paradigm how new course for this
humanity. Presents reflection about theirs general es concepts.
UNITERMS: Holistic paradigm, holistic and health.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CAPRA, Fritjof. O ponto de
2. CREMA, Roberto. Introdução à
3. SCHABBEL, Corina. Redescobrindo... a holfstica.
mutação. São Paulo, Cultrix, 1986.visão holfstica. "2 ed." São Paulo, Summus, 1989.São Paulo, Iglu, 1994.290 Rev.Esc.EnfUSP, v.30,




Elizabeth Teixeira*

TEIXEIRA, E. Reflexões sobre o paradigma holístico e holismo e saúde.Rev.Esc.Enf.USP, v.30,
n.2, p. 286-90, ago. 1996.*

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